Os Livros Ardem Mal

Inquérito OLAM: Joana Matos Frias

Posted in Inquérito by OLAMblogue on Terça-feira, 31-03-2009

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Joana Matos Frias é professora da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. O seu livro O Erro de Hamlet: Poesia e Dialética em Murilo Mendes, venceu o Prémio de Literatura Murilo Mendes, na categoria de Ensaio, tendo sido editado no Rio de Janeiro pela 7 Letras, em 2002. Doutorou-se com uma tese sobre Retórica da Imagem e Poética Imagista na Poesia de Ruy Cinatti. Para as edições Quasi preparou e prefaciou uma antologia de Ana Cristina César. Em colaboração com Luís Adriano Carlos, preparou a edição facsimilada dos Cadernos de Poesia. Tem-se dedicado preferencialmente à literatura portuguesa do período moderno e contemporâneo e, ainda, a questões de teoria literária e retórica e à relação entre a literatura e outras artes. Agradecemos a Joana Matos Frias a disponibilidade para colaborar com o nosso inquérito.

1) Qual é, em seu entender, o melhor livro de ficção (romance, novela ou conto) portuguesa do século XX? Porquê?

«Só quem nunca pensou chegou alguma vez a uma conclusão»: a provocação de Pessoa salvaguarda com a finura possível a imprecisão das respostas que se seguem, escudada ainda pelo conhecido parecer de Edmund Burke, «a clear idea is […] another name for a little idea».
Com alguma pena por a pergunta não ser «de que livro de ficção portuguesa do século XX mais gosta?», terei que responder que o melhor livro de ficção portuguesa do século XX é Para Sempre, de Vergílio Ferreira (1983). Porquê? Porque é o melhor livro da melhor fase do melhor ficcionista português do século XX. Subentenda-se, naturalmente, «no meu entender», mesmo que aqui a subjectividade aspire à validade geral graças à perspectiva crítica mediada pelo próprio juízo de gosto, onde se cruzam a razão e o sentimento. Para Sempre, escrita do limite no limite da escrita, articula a unidade e a totalidade, e portanto o efeito de harmonia, o estado de perfeição e de acabamento, com a a vertigem da imperfeição e a força fragmentária de um discurso que exprime a tomada de consciência do terrível. Belo e Sublime, portanto, Para Sempre é um romance que atinge os princípios estéticos mais antigos no centro nevrálgico da própria Modernidade, que não convive bem — como sabemos — com categorias apriorísticas. De todas as obras de Vergílio Ferreira pós-Aparição, esta é aquela onde melhor se consumam as características que já conferiram ao autor um lugar único na história da literatura portuguesa do século XX: a prevalência do modo lírico num género tendencialmente narrativo — com todas as implicações de expressão e de conteúdo que tal imprevisibilidade acarreta —, o domínio rigoroso e sempre inesperado das categorias da narrativa — muito em particular do tempo, sua raiz estruturante —, e uma profunda reflexão sobre a condição humana, o pensamento, a palavra e a escrita, ou melhor, sobre a escrita como pensamento, e sobre a palavra como o essencial da condição humana.

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Inquérito OLAM: Gastão Cruz

Posted in Inquérito by OLAMblogue on Segunda-feira, 23-03-2009

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Gastão Cruz destacou-se inicialmente na poesia portuguesa como membro do grupo que editou Poesia 61, um dos momentos fortes da poesia portuguesa da segunda metade do século XX. Desde então publicou uma obra poética vasta, reunida já por várias vezes, a última das quais em 1999, no volume Poemas Reunidos. Aos seus livros foram atribuídos os mais significativos prémios literários portugueses (Prémio PEN Clube de Poesia, Prémio D. Dinis, Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores), tendo a sua última colectânea poética, A Moeda do Tempo (2006), conquistado recentemente o prémio Correntes d’Escritas/Casino da Póvoa 2009. Traduziu poetas e dramaturgos (Blake, Strindberg, Shakespeare), foi um dos fundadores do grupo Teatro Hoje, para o qual encenou várias peças, e dirige a Fundação Luís Miguel Nava, integrando a direcção da revista Relâmpago, editada pela referida Fundação. O seu último livro é A Vida da Poesia, reedição aumentada do livro que inicialmente publicou em 1973 com o título A Poesia Portuguesa Hoje (com 2ª edição em 1999), e que denuncia a preocupação, longa de mais de quatro décadas, de acompanhar criticamente a poesia portuguesa contemporânea, embora não apenas. Agradecemos a Gastão Cruz a disponibilidade para colaborar no nosso inquérito.

1) Qual é, em seu entender, o melhor livro de ficção (romance, novela ou conto) portuguesa do século XX? Porquê?

Questão prévia: é claro que não existe “o melhor livro de ficção portuguesa do século XX”; como não existe “o melhor livro de poesia”. Fazer tais escolhas é uma “missão impossível”. E é como “missão impossível” que, assumindo o paradoxo, as perguntas terão de ser respondidas.

Como decidir não arbitrariamente se A Confissão de Lúcio é melhor que A Farsa, se A Casa Grande de Romarigães é melhor que Os Passos em Volta, se Antigas e Novas Andanças do Demónio (em que está incluído “Super Flumina Babylonis”) ou Os Grão-Capitães (em que se integra essa outra obra-prima do conto que se chama “Homenagem ao Papagaio Verde”) superam Pequenos Burgueses ou Finisterra?

Só será possível escolher simbolicamente; isto é, indicar um livro que possa representar a ficção portuguesa do século passado no que ela tem de mais intenso e inovador.

A minha escolha recai sobre A Farsa de Raul Brandão, um livro de 1903, que, há quase quatro décadas, adquiri, na 4 ª edição, com capa de Stuart, das Livrarias Aillaud & Bertrand.

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Inquérito OLAM: Luís Miguel Queirós

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Luís Miguel Queirós nasceu em 1962, no Porto, e é jornalista do Público, onde escreve ocasionalmente sobre poesia. Entre outras publicações, é autor de uma antologia da poesia portuguesa do Século XX – Vingt et un poètes pour un vingtiême siècle portugais – publicada em França em 1994. Agradecemos a Luís Miguel Queirós a disponibilidade para colaborar no nosso inquérito.

1) Qual é, em seu entender, o melhor livro de ficção (romance, novela ou conto) portuguesa do século XX? Porquê?

Os Incuráveis de Agustina Bessa Luís. O livro foi publicado em 1956, mas li-o numa edição dos anos 80, em dois volumes. Escolho-o por três razões.
a) Lembro-me de ter gostado muito do livro, mas nisso não se distingue de outros que me terão dado prazer equivalente quando os li pela primeira vez, como Sinais de Fogo, de Jorge de Sena, ou mesmo, entre outros mais razoavelmente citáveis, um livro que a ninguém, nem a mim, ocorreria considerar determinante na ficção portuguesa do século XX, como Directa, de Nuno Bragança.
b) O primeiro volume de Os Incuráveis desapareceu-me já há anos, de modo que nunca mais o li e – circunstância decisiva – não posso ir agora confirmar se a predilecção se mantém. Infelizmente (infelizmente para este efeito) conservo os livro de Sena e Bragança, bem como os vários outros que poderia considerar.
c) Andei a espreitar as respostas anteriores, e pareceu-me que começava a fazer-se sentir um consenso algo entediante em torno de obras, chamemos-lhes assim, híbridas, nas quais a prosa anda um bocadinho próxima de mais dos pressupostos e propósitos da poesia. É claro que nenhum dos livros que citei me provocou uma impressão tão intensa e duradoura como, por exemplo, Os Passos em Volta, de Herberto Helder. Mas essa impressão, sentiu-a, essencialmente, o leitor de poesia, e não o agradecido leitor de Henry James (ou Rex Stout). Estou perfeitamente consciente de que sugerir que temos dois leitores na cabeça, que se chegam à frente consoante os textos que se lhes deparam, não é menos controverso do que admitir que existe uma fronteira (sempre) reconhecível a distinguir a poesia e a prosa do século XX.

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Inquérito OLAM: Alexandre Andrade

Posted in Inquérito by OLAMblogue on Quinta-feira, 05-03-2009

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Alexandre Andrade é professor no Instituto de Biofísica e Engenharia Biomédica da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Estreou-se em 1997 com o romance Benoni, tendo publicado em seguida os volumes de contos As Não-Metamorfoses (2004) e Cinco Contos sobre Fracasso e Sucesso (2005) e, ainda, o romance Aqui Vem o Sol (2005). É autor de umblogsobrekleist. Agradecemos a Alexandre Andrade a disponibilidade para colaborar no nosso inquérito.

1) Qual é, em seu entender, o melhor livro de ficção (romance, novela ou conto) portuguesa do século XX? Porquê?
 
Mau Tempo no Canal, de Vitorino Nemésio. Esta escolha diz tanto da excelência que reconheço a este romance como à constatação de que os autores essenciais da ficção portuguesa moderna construíram uma obra espalhada no tempo, por meio de aproximações, acrescentos, declinações sucessivas, teses e antíteses respondendo umas às outras através dos anos, aparentemente livres da ambição de redigir A Obra Definitiva que resumisse e dispensasse as restantes. Agustina Bessa-Luís, Vergílio Ferreira, Maria Velho da Costa – todos eles escreveram o “melhor livro de ficção” do século XX, mas a prestações, ao longo de uma vida. Se o objectivo é o de associar um superlativo a um único livro, os candidatos, parece-me, não são legião. Para além do que elegi, ocorrem-me A Casa Grande de Romarigães, Uma Abelha na Chuva, e poucos mais.

Mau Tempo no Canal consegue conter, sem entrar em colapso, uma absoluta limpidez e uma consciência profunda do que de movediço e insondável encerram os seres humanos. Edificado em moldes essencialmente clássicos, esvazia de sentido qualquer discussão em torno da sua posição na literatura portuguesa, em torno de eventuais dissonâncias com tendências ou correntes, contemporâneas ou por vir. Este romance limita-se a existir, soberbo, mas sem reivindicar. A literatura portuguesa continuaria a ser o que é, com ou sem ele. O facto de não se encontrar em nenhuma encruzilhada dos rumos da ficção nacional é uma virtude inestimável. Ninguém o encontra pela frente como resultado de ter seguido um itinerário, ou por afinidade. Inteiro e agreste, só o encontra quem o deseja encontrar.

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Inquérito OLAM: Rui Zink

Posted in Inquérito by OLAMblogue on Quinta-feira, 26-02-2009

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Rui Zink é professor da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, tendo-se doutorado com uma tese sobre a banda desenhada como narrativa literária. Acompanhou as práticas performativas e experimentais do grupo da Po.Ex. no início dos anos 80 e tem uma obra literária vasta, distribuída por vários domínios: a BD para a qual escreve com frequência, quer se trate de obras com ilustração de Manuel João Ramos, António Jorge Gonçalves, ou Louro; a literatura infantil; o humor; e a ficção, de que se destacam os romances Hotel Lusitano, Apocalipse Nau, O Suplente, ou Dádiva Divina (Prémio do PEN Clube Português, 2005), e ainda volumes de contos como A Palavra Mágica. Publicou uma obra «interactiva», o romance Os Surfistas. Vários dos seus livros estão traduzidos, estando também editado no Brasil. Agradecemos a Rui Zink a sua colaboração no nosso inquérito.

1) Qual é, em seu entender, o melhor livro de ficção (romance, novela ou conto) portuguesa do século XX? Porquê?

Comunidade de Luiz Pacheco, que tanto dá em itálico (saiu em livro uno) como com aspas (foi incluída como conto em colectâneas). Porque é um texto que, embora em poucas páginas (ou talvez por isso mesmo), sumula a ficção moderna do século XX: ao mesmo tempo é colagem (à vox populi), é des-colagem (da mens populi), é ficção, é autobiografia, é paródia, é panfleto, é mudanças rítmicas, mescla de níveis (alto, baixo, médio, mediano mesmo), assumida e descaradamente menor, texto feito corpo (e cheiros), obra aberta, romance policial (ou seja, obra fechada) e, last but not least, leva alguns leitores a pensarem/dizerem “ah, isto também eu fazia”.

2) Qual é, em seu entender, o melhor livro de poesia portuguesa do século XX? Porquê?

A Reinvenção da Leitura, de Ana Hatherly (1975). Porque cinde, numa unidade, partes convencionalmente separadas: ensaio e poema, signo e sentido, escrita e desenho, caligrafia e radiografia. Que mais posso dizer? Talvez que é muito bonito e faz pensar, se não estivesse fora de uso dizer ingenuidades destas.

3) Se a pergunta não fosse «qual o melhor» mas sim «qual o mais importante», as suas respostas seriam as mesmas ou seriam diferentes? Em quê, no segundo caso?

As respostas não seriam necessariamente as mesmas porque o mais importante (que muda, influencia, demarca) nem sempre é “o melhor”. E o mais importante de que ponto de vista? Influência? Impacto no seu tempo? Ponto de viragem? Poderia continuar (e até responder), mas para brincadeiras injustas já tive hoje a minha dose. Ite missa est.

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Inquérito OLAM: Ida Alves

Posted in Inquérito by OLAMblogue on Quarta-feira, 18-02-2009

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Ida Alves doutorou-se em Literatura Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, em 2000, com tese sobre  “Carlos de Oliveira e Nuno Júdice – poetas: personagens da linguagem”.  É professora da Universidade Federal Fluminense-UFF.  Além de exercer atualmente a chefia do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas desse Instituto, coordena o Núcleo de Estudos de Literatura Portuguesa e Africana – NEPA-UFF.   É membro do Pólo de Pesquisa sobre Relações Luso-Brasileiras (PPRLB), sediado no Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro, onde também coordena o Núcleo de Literatura Portuguesa. Integra a equipe de pesquisa Poéticas da Contemporaneidade sobre poesia brasileira e portuguesa, na UFF. Tem vários  artigos publicados em revistas da especialidade, brasileiras e estrangeiras, e co-organizou oito  livros / cds com estudos  sobre literaturas portuguesa e africana. Atualmente desenvolve o projeto de pesquisa intitulado «Figurações e desfigurações da paisagem na poesia portuguesa contemporânea».  É pesquisadora-bolsista  do Conselho Nacional de Pesquisa – CNPq – Brasil. Acaba de publicar, em co-organização com Celia Pedrosa, Subjetividades em Devir – Estudos de Poesia Moderna e Contemporânea, Rio de Janeiro, 7Letras, 2008.

1) Qual é, em seu entender, o melhor livro de ficção (romance, novela ou conto) portuguesa do século XX? Porquê?

No prazer de leitura, no prazer do texto, não escapo de dizer, com o à vontade dos apaixonados,  que o melhor livro de ficção de língua portuguesa do século XX é Grande sertão: veredas (1.ed. 1956), de João Guimarães Rosa, por sua densidade humana e  pela caminhada espantosa no sertão da linguagem. Falar de sertão é falar de solidão, de sobrevivência, de luta, de desertos, de sol a pino, de morte e de vida, de Deus e do Diabo, sabendo que “Viver é muito perigoso…”. E a língua portuguesa está lá como paisagem riquíssima de criação.

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Inquérito OLAM: Eduardo Pitta

Posted in Inquérito by OLAMblogue on Quinta-feira, 12-02-2009

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Eduardo Pitta é poeta, ficcionista e ensaísta. Publicou o seu primeiro livro, a colectânea poética Sílaba a Sílaba, em 1974. Reuniu a sua poesia, em volume antológico, em 1999, sob o título Marcas de Água. Na ficção publicou Persona (2000) e Cidade Proibida (2007). O seu primeiro volume de crítica e ensaio, Comenda de Fogo, é de 2002, datando o mais recente, Metal Fundente, de 2004. Praticou também a diarística em Os Dias de Veneza (2005). É o responsável pela edição da obra de António Botto, de que saíram já dois volumes. Colabora actualmente no suplemento Ípsilon do Público e anima o blogue Da Literatura, tendo reunido uma selecção de posts seus no livro Intriga em Família (2007). Agradecemos a Eduardo Pitta a disponibilidade para colaborar neste inquérito.

1) Qual é, em seu entender, o melhor livro de ficção (romance, novela ou conto) portuguesa do século XX? Porquê?

Sinais de Fogo, que Jorge de Sena começou a escrever em 1964 e teve publicação póstuma quinze anos mais tarde. No país que então digeria Finisterra, de Carlos de Oliveira, Sinais de Fogo relativizou a herança modernista, ao mesmo tempo que trazia à nossa literatura o tema sempre escorregadio da virilidade itinerante. Não é despiciendo que o tenha feito com um conseguimento que o resgata de qualquer proselitismo.

2) Qual é, em seu entender, o melhor livro de poesia portuguesa do século XX? Porquê?

Poesias de Álvaro de Campos, assim se chama o livro a que Cleonice Berardinelli prefere chamar Poemas de Álvaro de Campos, e Teresa Rita Lopes apenas Poesia, no singular. Estamos sempre a falar do mesmo, sem prejuízo das inclusões e exclusões que distinguem essas três edições. Refazendo o universo “sem ideal nem esperança” que tomou como seu, Campos inventou uma língua nova. E ainda hoje escasseia pólvora para a dinamitar.

3) Se a pergunta não fosse «qual o melhor» mas sim «qual o mais importante», as suas respostas seriam as mesmas ou seriam diferentes? Em quê, no segundo caso?

Seriam as mesmas, porquanto, num caso e noutro, a questão do “gosto” coincide com o reconhecimento de que tanto Sena como Campos mudaram o paradigma. Sena, pela ousadia do romance contador de histórias (o pleonasmo é intencional) em tempo de rarefacção. O outro engenheiro por obrigar a poesia a pensar, em detrimento do volteio.

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Inquérito OLAM: Pedro Eiras

Posted in Inquérito by OLAMblogue on Sábado, 07-02-2009

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Pedro Eiras é professor da Faculdade de Letras do Porto. Publicou ensaios, tendo o seu livro Esquecer Fausto. A Fragmentação do Sujeito em Raul Brandão, Fernando Pessoa, Herberto Helder e Maria Gabriela Llansol conquistado o Pémio do PEN Clube Português de Ensaio. Publicou ainda obras sobre poesia, sobre Gonçalo M. Tavares e Maria Gabriela Llansol, entre outros. Publicou ainda vários volumes de teatro e ficção. Os Três Desejos de Octávio C. é o seu último livro. Agradecemos a Pedro Eiras a sua disponibilidade para responder ao nosso inquérito.

 1) Qual é, em seu entender, o melhor livro de ficção (romance, novela ou conto) portuguesa do século XX? Porquê?
 
2) Qual é, em seu entender, o melhor livro de poesia portuguesa do século XX? Porquê?

3) Se a pergunta não fosse «qual o melhor» mas sim «qual o mais importante», as suas respostas seriam as mesmas ou seriam diferentes? Em quê, no segundo caso?

A minha resposta terá sempre de começar em clave melancólica, elegíaca: como escolher só um livro, de cada vez, entre tantos, entre todos, etc.? Lamento irresolúvel: ou aceito a regra do jogo, ou não posso jogar. Passo? Não: jogo.

Mas é mais complicado: porque eu não sei, de todo, o que é ser “melhor” ou “mais importante”. Por exemplo: “melhor” é “mais perfeito”? Mas – e se eu desejo a imperfeição? A perfeição tem algo de tautológico: um livro esgota o projecto que propõe. E há imenso mérito nesse ser perfeito, perfectum, acabado. Fascínio de Finisterra ou de Clepsidra, por exemplo. Paradoxo de Pessoa: Mensagem é “melhor”, mas eu prefiro Alberto Caeiro.

Há também, pois, o inacabado. Quantas vezes os textos que me dão mais júbilo – aí está outro critério, outra pergunta – não são forçosamente “imperfeitos”? A dissimetria, as lacunas, o diferimento seduzem-me. É porque me perturbam que Húmus ou a Poesia Toda de Herberto Helder me fascinam. Deleuze: gaguez, literatura menor. Klee: pintar com a mão esquerda.

Também tenho dificuldade em compreender o que seja “mais importante”: para mim? para os leitores, via reescrita, intertextualidade? para a “história da literatura”? Aqui, a leitura talvez se cruze com o mito e mais mil acidentes, modas, perspectivas fugazes. O que “melhor” tem de centrípeto, “mais importante” tem de centrífugo. Ainda assim, eu poderia responder: Álvaro de Campos, Poesia, por quanto tem de seminal, de reescrevível (escrevível contra, às vezes? sim, também).

Será que posso responder assim – e ainda reciclar as perguntas, com um pequeno desvio, perguntando a mim próprio agora não qual é o melhor livro, não o mais importante, mas sim: o que me interessa ler neste momento? Porque esta resposta, que vou gaguejando, só pode implicar o meu instante, falível. E assim responderia a todas as questões: Maria Gabriela Llansol. Qualquer livro. Se é preciso um título: O Livro das Comunidades, mas é só uma metonímia. E respondo a todas as questões, porque, para mim, O Livro das Comunidades é ficção e poesia ao mesmo tempo, é melhor porque tão imperfectum, e é mais importante porque tão reescrevível (e contudo, não…).

Este é o meu instante. Como sairia eu do instante? Amanhã, precisarei de outros livros: há tantos séculos XX como instantes – o século XX é aquilo que eu invento agora. E agora é tão grande.

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Inquérito OLAM: Carlos Mendes de Sousa

Posted in Inquérito by OLAMblogue on Sábado, 31-01-2009

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Carlos Mendes de Sousa é professor de literatura brasileira na Universidade do Minho. É autor de um livro de referência sobre Eugénio de Andrade (1992), organizou, com Eunice Ribeiro, uma Antologia da Poesia Experimental Portuguesa (2005)  e publicou ensaios fundamentais sobre Cesário Verde, Jorge de Sousa Braga, Fiama Hasse Pais Brandão, Luís Miguel Nava ou Eduardo Lourenço, muitos deles publicados na revista Relâmpago, de que é um dos directores. Na literatura brasileira dedicou-se por longo tempo a Clarice Lispector, daí tendo resultado uma obra maior na bibliografia sobre a autora, Clarice Lispector. Figuras da Escrita (2000), obra com a qual conquistou o Grande Prémio de Ensaio da APE. Para o Curso Breve de Literatura Brasileira, colecção dirigida por Abel Barros Baptista nos Livros Cotovia, posfaciou os volumes Laços de Família, de Clarice Lispector, e A Educação pela Pedra, de João Cabral de Melo Neto. Agradecemos a Carlos Mendes de Sousa a disponibilidade para colaborar no nosso inquérito.

1) Qual é, em seu entender, o melhor livro de ficção (romance, novela ou conto) portuguesa do século XX? Porquê?

Conversações com Dmitri e outras Fantasias, Agustina Bessa-Luís

O que superlativa as escolhas (“o melhor”, “o mais importante”), remeto-o para um qualquer impacto revisitado (exercício da memória para livros que, em mais do que um momento, me moveram). O que amanhã pode não ser.

Um dos grandes fascínios que Agustina suscita prende-se com a possibilidade que a todo o momento nos é oferecida de operarmos cortes na teia ficcional da sua vasta obra e, com esses cortes, recompormos quadros (microficções). Imagino diversos exercícios antológicos.

Conversações com Dmitri, no seu prodigioso recorte parabólico, poderia ser perfeitamente um exemplo maior dessa possibilidade, exemplo oferecido pela própria escritora, como quem se ri. Este breve livro de ficções é enganadoramente apresentado nas listas das obras da autora sob a categoria “crónicas”. E se em Agustina não encontro um livro absolutamente fechado, como esse extraordinário A Casa Grande de Romarigães, de Aquilino, é porque, em certo sentido, a sua admirável obra ficcional vive numa insubordinação face às constrições delimitativas dos géneros (leia-se como romance o belíssimo Longos Dias Têm Cem Anos).

Outras razões para escolher Conversações com Dmitri: como no resto da obra, a expressão fabular contém no seu interior a sua questionação; como no resto da obra, a genial narradora (autora, personagem) espreita (insinua-se, intromete-se) sábia, inquietante e irrequieta. A capacidade de deslocar e de surpreender ocorre continuamente nos retratos e situações convocados para o seu texto – uma convivência fantástica e transfiguradora. Porque nela tudo é reinvenção, imaginação, fulguração, pensamento vivo, brincadeira desconcertantemente séria. “Desordem e travessura”, como lemos nessa espécie de legenda, num dos títulos deste livro.

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Inquérito OLAM: Fernando Cabral Martins

Posted in Inquérito by OLAMblogue on Sábado, 24-01-2009

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Fernando Cabral Martins é professor da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Um dos mais reputados especialistas portugueses do Modernismo, e da sua anunciação em Cesário Verde e no simbolismo, tem obra vasta sobre o período, tendo estudado as obras de Mário de Sá-Carneiro, que também editou, de Fernando Pessoa, sendo responsável directo por vários volumes da edição em curso na Assírio & Alvim, e de Almada Negreiros, cuja edição recente na mesma casa editorial vem coordenando. Coordenou um recente, e monumental, Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português. Preparou ainda, a sós ou em colaboração, edições da obra de Luiza Neto Jorge e Alexandre O’Neill. Deu rosto e voz a Pessoa em Conversa Acabada, filme de João Botelho, de 1981. É também autor de uma singular obra ficcional, cujos últimos títulos são O Deceptista, 2003, e Viagem ao Interior, 2004. Agradecemos a Fernando Cabral Martins a sua disponibilidade para colaborar no nosso inquérito.

1) Qual é, em seu entender, o melhor livro de ficção (romance, novela ou conto) portuguesa do século XX? Porquê?
 
2) Qual é, em seu entender, o melhor livro de poesia portuguesa do século XX? Porquê?

Creio que os dois livros mais importantes do século XX são o Livro do Desassossego de Pessoa, o grande livro de poesia, e Mau Tempo no Canal de Nemésio, o grande livro de ficção narrativa.

No caso de Pessoa, segundo o modo da explosão radical e de uma fragmentação absoluta (e apta, portanto, a tremendas oscilações editoriais) mas que, ainda assim e em permanente surpresa, guarda muitos momentos de contemplação e de intensidade. É o caso mais devastador que existe de uma poesia que se mostra, no fulgor das palavras enquanto tais, inteiramente um monólogo exterior.

No caso de Nemésio, segundo o modo da descrição que revela e inclui num caleidoscópio todas as sensações contadas, como se todos os aspectos do que chamamos realidade, física, cultural ou emocional, se tornassem transparentes e entrassem num estado de íntima correspondência.

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Inquérito OLAM: Arnaldo Saraiva

Posted in Inquérito by OLAMblogue on Domingo, 11-01-2009

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Arnaldo Saraiva é Professor Catedrático da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Foi um dos fundadores do Centro de Estudos Pessoanos, que entre o final dos anos 70 e o início dos anos 80 viria a editar Persona, até hoje a mais importante revista dedicada a Fernando Pessoa, e a organizar os primeiros congressos de Estudos Pessoanos, lançando a maré alta da recepção do autor. Tem produção vasta sobre diversos aspectos da obra pessoana, tendo visto o seu volume sobre o Pessoa tradutor de poesia editado no Brasil. Dedicou-se à noção de Literatura Marginal/izada, tendo editado dois volumes de ensaios sobre a matéria. Professor, por muitos anos, de literatura brasileira, estudou vários autores brasileiros, com especial atenção ao século XX e às relações entre o modernismo português e o brasileiro, a que dedicou uma obra de referência entretanto publicada no Brasil, e organizou vários congressos de literatura brasileira na sua Faculdade de Letras. Preside à Fundação Eugénio de Andrade, tendo sido director da revista da Fundação, Cadernos de Serrúbia. O seu último livro publicado é a tradução da poesia de Guilherme de Aquitânia. Agradecemos a Arnaldo Saraiva a gentil colaboração com o nosso inquérito.

1) Qual é, em seu entender, o melhor livro de ficção (romance, novela ou conto) portuguesa do século XX? Porquê?

Perguntas deste tipo lembram-me sempre uma frase do Hospital das Letras que D.Francisco Manuel de Melo colocou na boca de Bocalino:”Não há matéria no mundo mais perigosa que medir sangues e pesar talentos”. E neste caso o perigo não vem mais de nomear (uma, ou duas, entre várias obras de grande qualidade, mas de diversa modalidade ou extensão) do que de justificar. Porque só no acto de leitura ou dos seus efeitos se pode ter a única justificação satisfatória. Esquecido o risco, permito-me entender “ficção portuguesa” por “ficção em português”, pois há muito acho aberrante a divisão nacional ou nacionalista da literatura escrita na mesma língua (e às vezes até em línguas diferentes). Assim, anteponho o Grande Sertão:Veredas ao Livro do Desassossego, não porque um tenha sido fixado pelo autor (há exactamente 50 anos) e o outro se a abra a distintas montagens, não porque um seja uma corrida narrativa de cruzadas memórias e o outro seja estruturalmente fragmentário, não porque um prefira o espaço sertanejo e o outro o espaço urbano, não porque um promova a figura do herói e outro a do anti-herói, não porque um seja “contado”por um velho ex-jagunço e o outro “escrito” por um guarda-livros; é para mim claro que se trata dos dois mais sólidos “monumentos” da ficção portuguesa do século XX, mas parece-me impossível dizer qual deles é estilisticamente o mais envolvente e de conteúdo mais substancial, ou o mais relevante na referência às “profundas profundezas” do homem e da vida, e nas projecções simbólicas e míticas. Se a referência, a metáfora ou a alegoria do  “sertão” (e das suas “veredas”), pode ser tão rica e complexa como a da “cidade” (e das suas ruas), ela permitiu a Guimarães Rosa fazer uma mais extensa travessia (palavra bem ao gosto rosiano) do tempo e do espaço. Neste, que por sinal é o dos “gerais” (“campos gerais” de “Minas Gerais”), entra por exemplo uma exuberante natureza física, vegetal e animal que Bernardo  Soares de todo desconheceu; quanto ao tempo, no romance do mineiro não encontramos só alguma atmosfera típica dos inícios do sec. XX pois facilmente encontramos sugestões arcaicas, quer no comportamento dos homens e na sua ideologia maniqueísta (Deus e o Diabo, o Bem e o Mal), quer na linguagem e nos modelos intertextuais (lendas medievais, contos populares, novelas de cavalaria, romances do romanceiro, a começar pelo que amplia da “donzela que foi à guerra”, a que é fiel até na revelação de Diadorim/Diadorina; Machado de Assis, de que supostamente Rosa não gostava, teria mantido a ambiguidade…). Diferentemente de Pessoa/Soares, que só por excepção se afastou dos cânones da língua, Rosa/Riobaldo  valeu-se sistematicamente de arcaísmos, populismos e  neologismos, lexicais e sintácticos, recorrendo a numerosas e já inventariadas técnicas; para tornar mais autêntica ou verosímil a narrativa que pôs na boca do ex-jagunço, o escritor mineiro achou por bem simular uma oralidade que afinal pode parecer inverosímil, por fazer do sertanejo um mestre de língua e literatura, como os pastores de Virgílio, mas que implica  uma  revolução linguística e literária como há séculos não se via numa obra em português. O Grande Serão:Veredas é bem a obra de quem achava que é preciso renovar a língua para “renovar o mundo”, e que é preciso “escrever para setecentos anos.Para o Juízo Final.”

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Inquérito OLAM: Gonçalo M. Tavares

Posted in Inquérito by OLAMblogue on Sábado, 03-01-2009

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Gonçalo M. Tavares é autor de mais de duas dezenas de livros, publicados desde Dezembro de 2001. Publicou poesia, textos de classificação difícil, do ponto de vista de uma teoria dos géneros, e ficção. Com Água, Cão, Cavalo, Cabeça, 2006, venceu o Grande Prémio de Conto Camilo Castelo Branco (Câmara Municipal de Famalicão/APE). Com O Senhor Valéry (2002), vencedor do Prémio Branquinho da Fonseca (Fundação Calouste Gulbenkian/Expresso), iniciou a série «O Bairro», que conta já com quase uma dezena de títulos, o último dos quais O Senhor Breton e a Entrevista. Com o romance Jerusalém, 2004, da série Livros Pretos (iniciada com Um Homem: Klaus Klump, 2003, a que se seguiram o referido Jerusalém, A Máquina de Joseph Walser, 2004, e Aprender a Rezar na Era da Técnica, 2007), venceu o Prémio José Saramago, o Prémio LER/Millenium-BCP e o Prémio Portugal Telecom de Literatura 2007 (Brasil). Várias das suas obras têm sido adaptadas ao teatro. Estão em curso traduções e edições dos seus livros em cerca de dezena e meia de países. Agradecemos a Gonçalo M. Tavares a sua colaboração no nosso inquérito.

1) Qual é, em seu entender, o melhor livro de ficção (romance, novela ou conto) portuguesa do século XX? Porquê?

2) Qual é, em seu entender, o melhor livro de poesia portuguesa do século XX? Porquê?

 3) Se a pergunta não fosse «qual o melhor» mas sim «qual o mais importante», as suas respostas seriam as mesmas ou seriam diferentes? Em quê, no segundo caso?

Várias perguntas com direcções distintas podem ter como resposta um único nome se o objecto da resposta for uma coisa inclassificável e forte e se nos nossos instrumentos de análise usarmos o método da implosão intencionalmente dirigido.

Numa implosão tudo cai sobre um ponto, um centro não visível, mas que existe. Claro que depois há destroços por arrumar, despejar, tapar, fazer desaparecer. E, claro: há muito mais mundo do que aquele mundo circunscrito.

Há ainda e sempre ressaltos, contágios, partículas que deveriam ter ficado no centro ou no espaço que o rodeia e que, afinal, se comportaram de modo inadequado. De qualquer forma, uma implosão impõe respeito (uma destruição para dentro, uma destruição bem-educada, uma destruição que não pisa a linha definida).

O Livro do Desassossego de Fernando Pessoa-Bernardo Soares é esse ponto central do século XX (tempo) e do país (espaço). Um século e uma superfície caem num ponto.

Logo no início de um livro em que hoje pego (Corpo e Imagem, de José Bragança de Miranda) cita-se o Livro do Desassossego: “se o coração pudesse pensar pararia”. Não me lembro desta frase, mas ela estará lá. Tal como muitas outras.

A implosão de que falamos refere-se também aos diferentes géneros. “Se o coração pudesse pensar pararia”; esta frase pode ser vista como um verso, ou como a pequena parte de um romance, ou como coisa que vai a caminho do ensaio ou, simplesmente (voltando ao início), como uma frase.

No livro que referi cita-se o Desassossego enquanto se reflecte sobre a imagem. Nos livros em que se estuda tudo o resto que não a imagem, também se poderia citar o Desassossego de Pessoa. Para qualquer assunto, enfim, encontraremos uma citação vinda do livro. Uma frase (a anterior) que também pode ser ouvida quando se fala de livros religiosos.

Eis, pois, os efeitos evidentes de uma implosão: tudo o que antes parecia ocupar muito espaço e tudo o que antes parecia tão diferenciado é agora coisa uniforme concentrada no mínimo.

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Inquérito OLAM: Abel Barros Baptista

Posted in Inquérito by OLAMblogue on Quarta-feira, 31-12-2008

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Abel Barros Baptista é professor da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, onde ensina literatura brasileira. É um dos grandes especialistas de hoje sobre Camilo Castelo Branco e Machado de Assis, autores a que dedicou obras de referência. No caso de Camilo, editou Camilo e a Revolução Camiliana, e O Inexorável Romancista, tendo ainda preparado uma edição anotada das Novelas do Minho. Quanto a Machado, é autor de duas obras de referência, ambas editadas também no Brasil. Com a segunda dessas obras, Autobibliografias, conquistou o Grande Prémio de Ensaio da Associação Portuguesa de Escritores. Além desses dois livros, publicou vários ensaios sobre Machado, preparou e prefaciou edições dos contos e romances do autor. Coordenou a mais notável colecção de literatura brasileira editada em Portugal, o Curso Breve de Literatura Brasileira, nos Livros Cotovia. Organizou ainda um volume colectivo sobre A Cidade e as Serras. É ainda cronista, actualmente com coluna na LER, tendo reunido as suas crónicas nos volumes A Infelicidade pela Bibliografia e Ensaios Facetos. Foi, até há pouco, director adjunto da Colóquio-Letras. Agradecemos a Abel Barros Baptista a disponibilidade para colaborar no nosso inquérito.

Time flies like an arrow, fruit flies like a banana.
Groucho Marx

A liberdade exige que se responda aos inquéritos com a insubordinação. A minha resposta é insubordinada em três instâncias.

1) Qual é, em seu entender, o melhor livro de ficção (romance, novela ou conto) portuguesa do século XX? Porquê?

Se calhar porque a palavra «inquérito», depois do 25 de Abril, se tornou tão frequente como odiosa (depois de associação a perseguições e investigações policiais, ficou associada a grandes acidentes ou grandes catástrofes ou grandes crimes…), inquéritos como este passaram de moda, e apenas se praticam por insistência a meu ver anacrónica. Os suplementos literários dos jornais, quando existiam, praticavam muito o género. Digo o género, porque disso se trata e daí a razão do anacronismo: o inquérito é um procedimento para saber ou fingir que se quer saber, mas este tipo de inquéritos visa mais mostrar que, sobre o que perguntam, há muito a dizer mas nada se pode saber em definitivo: o inquérito vale pela sucessão das respostas, plurais, diversificadas, irredutíveis. Ora eu pretendo justamente restabelecer o uso regular da palavra e declarar quais são os livros mais importantes e os melhores (digo já que não distingo importantes de melhores, pois coincidem), não porque eu assim o entenda, mas porque eles indiscutivelmente o são. Ou seja, vou declarar agora a verdade que tornará inútil o curso do inquérito, o havido e o por haver.

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Inquérito OLAM: Rita Taborda Duarte

Posted in Inquérito by OLAMblogue on Terça-feira, 23-12-2008

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Rita Taborda Duarte foi docente na Faculdade de Letras do Porto e na Universidade da Beira Interior, leccionando actualmente na Escola Superior de Comunicação Social de Lisboa. Estreou-se no DNJovem, publicou em diversas revistas (Ópio, Bíblia, Número, Canal, Di Versos, Hablar/Falar de Poesia) e fez crítica no suplemento literário do Público, Mil Folhas. Fez Mestrado em Teoria da Literatura, com tese sobre Crítica e Representação: Da Aporia na Crítica de um texto Poético.  Publicou poesia – Poética Breve (1998), Na Estranha Casa de Um Outro (2006), Experiências Descritivas (2007, com André Barata) – e literatura infantil: A Verdadeira História de Alice (2004, Prémio Branquinho da Fonseca), A Família dos Macacos (2006), Os Piolhos do Miúdo e Os Miúdos do Piolho (2007), e os muito recentes Sabes, Maria, o Pai Natal não Existe (2008) e O Tempo Canário e o Mário ao Contrário (2008), todos eles ilustrados por Luís Henriques. Agradecemos a Rita Taborda Duarte a sua pronta colaboração neste inquérito.

1) Qual é, em seu entender, o melhor livro de ficção (romance, novela ou conto) portuguesa do século XX? Porquê?

Haverá uma tendência humana, provavelmente com assento fixo no código genético, para confundir, dispersar, baralhar e passar ao lado. É o que acontece nos congressos e encontros literários: o público arremessa uma pergunta sem relação com o que foi dito e o orador, solícito, arremata com uma resposta que nem tangencialmente toca a pergunta feita e por assim em diante, para satisfação de todos, ouvintes e oradores. Terá sido por isto que este inquérito nos tenta cortar as vazas logo à chegada, com notas e indicações a chamar-nos à realidade das perguntas: põe parênteses a indicar os subgéneros da ficção (conto, romance, novela) e lá se vai o Livro do Desassossego; chama a atenção para o objecto livro e lá se esfuma novamente o Livro do Desassossego, a pairar entre a edição da Europa-América e a mais recente do Richard Zenith. Mas há livros feitos da mesma massa do que os homens que os escrevem e que com eles partilham os genes menos práticos, menos pragmáticos, e que desarranjam a previsibilidade das regras: Finisterra. Paisagem e Povoamento, de Carlos de Oliveira. Um livro que inventa a percepção, o acto físico de ver por meio da linguagem, que aqui simula a linguagem sem tempo, sincrónica, da poesia. Nunca percebi se aquela indicação “Romance”, logo na capa, da edição da Sá da Costa, era uma indicação de género ou uma continuidade do título. Mas, para aqui, atesta a validade da resposta.      

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Inquérito OLAM: Gustavo Rubim

Posted in Inquérito by OLAMblogue on Quarta-feira, 17-12-2008

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Gustavo Rubim é professor na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Tem-se dedicado sobretudo à reflexão e crítica sobre poesia, detendo-se em especial no período moderno e nalgumas figuras maiores: Pessanha, Pessoa, Herberto. A Pessanha, sua referência central, dedicou o livro Experiência da Alucinação (1993), premiado pelo PEN Clube, e vários outros ensaios dispersos pelos seus outros livros: Arte de Sublinhar (2004) e o recente A Canção da Obra (2008). Preparou ainda uma edição de Clepsydra para o número 155/156 da Colóquio/Letras. Preparou edições de outros autores e traduziu, sobretudo na área do teatro. Agradecemos a Gustavo Rubim a resposta empenhada que nos fez chegar.

1) Qual é, em seu entender, o melhor livro de ficção (romance, novela ou conto) portuguesa do século XX? Porquê?

Em meu entender, o que o século XX trouxe de mais evidente foi um grande sismo na ideia do que seja ou possa ser um «livro», mesmo que se trate de um «livro de ficção», facto que não me parece pressuposto nem nos termos desta pergunta nem nas linhas de orientação fornecidas aos respondentes. Mas o século XX trouxe ainda outra coisa, ao menos ao meu olhar (pelos vistos) anacrónico: aquilo a que Barthes chamou «escrita», quer dizer, uma prática única onde ficção, poesia, ensaio, teatro e o mais se contaminam e se ilimitam mutuamente. A conexão destes dois movimentos inseparáveis (que, só por si, geraram, nas imediações da chamada «ficção», espectaculares ruínas textuais como o Livro do Desassossego) com, ainda, a dissolução da ideia romântica de literatura nacional — deu cabo da possibilidade de designar, sem ironia mais ou menos óbvia, «o melhor livro» do que quer que seja (por outras palavras, deu cabo daquilo a que se chamava «crítica literária»). Vale a coisa, portanto, por um certo jogo com regras, no fim de contas, bastante incertas. Apostando, com precisão e alegria, nessa incerteza, aceito jogar desde que seja eu a definir as regras. Por exemplo, se for de facto «em meu entender», coisa que só eu entendo ou não me ralo nada que os outros desentendam, então o «melhor livro de ficção portuguesa do século XX» são dois: Nome de Guerra, de Almada Negreiros, e Pequenos Burgueses, de Carlos de Oliveira. A extraordinária prosa do 1º capítulo de cada um deles basta para «porquê». Se for ainda «em meu entender» mas já num plano em que se os outros não entendem é porque se calhar são burros, então o «melhor livro de ficção portuguesa do século XX» é o Húmus, de Raul Brandão. Se for num «meu entender» bastante preocupado com o «entender» de outros cujo juízo me afecta sempre, então o Mau Tempo no Canal, de Vitorino Nemésio, está bem perto de ser o «melhor livro etc. e tal». A quem achar que são demasiadas hipóteses para poucas conclusões, ainda acrescento que isto é deixar de fora a) os «livros» de um dos maiores «ficcionistas» do século XX em português, chamado Manuel de Lima (Um Homem de Barbas e outros contos vale por todos os «porquês» concebíveis); b) todos os «livros de ficção portuguesa do século XX» que não li; c) um livro de «ficções» de um escritor vivo que, por essa razão, fica fora deste jogo para não entrar em desvantagem na competição com os mortos.

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Inquérito OLAM: Luis Maffei

Posted in Inquérito by OLAMblogue on Quarta-feira, 10-12-2008

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Luis Maffei é Professor de Literatura Portuguesa da Universidade Federal Fluminense (Niterói/ Rio de Janeiro). Concluiu, em 2007, seu Doutoramento, que resultou na tese Do mundo de Herberto Helder. É membro do Pólo de Pesquisa sobre Relações Luso-brasileiras do Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro. Como poeta, lançou, em 2006, A, seu livro de estréia, e, em 2008, Telefunken. Para a editora Oficina Raquel, coordena a série Portugal, 0, dedicada à nova poesia portuguesa, que editou no Brasil antologias de Manuel de Freitas, Rui Pires Cabral, Luís Quintais e Pedro Eiras. Como ensaísta, escreve freqüentemente para periódicos de literatura, tendo textos em revistas como Telhados de vidro, Diacrítica, Camoniana e Metamorfoses.

1) Qual é, em seu entender, o melhor livro de ficção (romance, novela ou conto) portuguesa do século XX? Porquê?

O Delfim, de José Cardoso Pires. Poucas vezes, na história da ficção portuguesa (e não só), uma obra logrou ser tão absolutamente vária. O Delfim é muito: romance político sem ser ingênuo ou panfeltário; romance com tintas policiais sem ser, é evidente, refém de traços banais desse gênero; romance de finíssima construção de personagens sem que eles, jamais, deixem de dizer outras coisas, metaforicamente, simbolicamente, e, digo sem receio, poeticamente. E bastante mais.

Justamente agora, enquanto respondo a este inquérito, espreito minha estante de livro e procuro com os olhos meu exemplar do romance. Dou-me conta de que está emprestado a um grupo de estudantes. Ocorrem-me, de imediato, os pequenos dramas que esses jovens têm confrontado, sobretudo a partir da idéia, ainda vigente em certos leitores sem muita experiência, de “entender o texto”. Eles, decerto, poderão entender O Delfim, desde que se lancem a essa aventura com novos olhos. Foi o que fiz, há muitos anos, quando o li pela primeira vez, ainda nos tempos de Faculdade. Sem exagero, posso dizer que aquela leitura representou para mim um rito de passagem.

2) Qual é, em seu entender, o melhor livro de poesia portuguesa do século XX? Porquê?

Poesia Toda, de Herberto Helder, edição de 1996, que ainda traz algumas traduções/ mudanças para o português. Porque a poesia herbertiana é poderosa, no âmago e na relação com o mundo. Porque se trata Herberto de um dos maiores poetas de todos os tempos, em qualquer língua – e Herberto, sabemos, é um dos poetas portugueses do século XX a se aproximar mais agudamente da idéia de um idioma pessoal no português, o que sempre foi notável, mas fica explícito no recentíssimo A faca não corta o fogo. Porque essa poesia é uma explosão romântica em recorrências barrocas, um gesto moderno e antigo, um lugar de expansão inesgotável. Porque a morte e a vida, ali, se acham magicamente imbricadas num processo contínuo enquanto tragicidade e descontínuo enquanto música, ou vice-versa. E por muitas outras razões.

3) Se a pergunta não fosse «qual o melhor» mas sim «qual o mais importante», as suas respostas seriam as mesmas ou seriam diferentes? Em quê, no segundo caso?

No caso da primeira questão, se a pergunta não fosse «qual o melhor» mas sim «qual o mais importante», eu responderia Livro do desassossego, de Fernando Pessoa/ Bernardo Soares – já que entendo aquilo como livro de ficção, é claro –, por se tratar não apenas de uma intensa exploração dos territórios da escrita, mas também por ser um texto fundador, que ressoa em muitíssima literatura portuguesa posterior – e ainda segue a ressoar. No caso da segunda questão, minha resposta seria a mesma.

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Inquérito OLAM: José Emílio-Nelson

Posted in Inquérito by OLAMblogue on Sexta-feira, 05-12-2008

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José Emílio-Nelson é poeta, com obra iniciada em 1979, com o livro Polifonia, e poesia recolhida em 2004, no volume A Alegria do Mal, prefaciado por Luis Adriano Carlos. O seu livro mais recente é Bibliotheca Scatologica, de 2007. Agradecemos ao autor a disponibilidade revelada para responder ao nosso inquérito.

1) Qual é, em seu entender, o melhor livro de ficção (romance, novela ou conto) portuguesa do século XX? Porquê?

O Crime do Padre Amaro, de Eça de Queirós, na terceira versão (minha opção depois do cotejo das anteriores versões). Pelo plágio contínuo, decifrável e indecifrável, com que o romance queirosiano absorve e se valoriza e simetricamente responde a Flaubert, a Zola e a Balzac. Pela intencionalidade ideológica iludida, em que a satisfação exaltante da modelação literária se sobrepõe a qualquer recategorização de romance à clef.

2) Qual é, em seu entender, o melhor livro de poesia portuguesa do século XX? Porquê?

O melhor da poesia do século XX: Mensagem de Fernando Pessoa (na grafia «antiquada» da primeira edição). Pela perfeição formal (analógica a Camões e paradoxalmente de «correcção») que trespassa a Mensagem e a incorpora no senso/contra-senso nacionalista «místico» «e até em contradição com isso, muitas outras coisas» (Fernando Pessoa). Porque a sua (imperial) ideia poética («nada» «que é tudo»), com o kitsch comum a todas as ilusões salvíficas, é «sebastianista». E é nessa instância (de refundição metafórica da poesia) que Mensagem se reafirma como o livro mais simbólico (conceptual e intelectivo) do modernismo poético.

3) Se a pergunta não fosse «qual o melhor» mas sim «qual o mais importante», as suas respostas seriam as mesmas ou seriam diferentes? Em quê, no segundo caso?

Se se perguntasse «qual o mais importante» livro de ficção do século XX, responderia: Sedução, de José Marmelo e Silva (1937). Pela importância da subversão dos cânones à época instalados, através da rejeição de todas as ortodoxias (da escrita/ ideológicas). Sedução, no índex do regime fascista, conduz-nos por uma anamorfose: as distorções ficcionais desdobram-se até «Adenda» com que finaliza (e reabre) a ficção, alongando-a com essa «dobra» para uma segunda leitura através de um discurso duplamente censório da própria realização ficcional acabada (uma vez que essa coda a completa) e da (re) interpretação (assumidamente cínica, a contrario) acerca das interdições morais da sexualidade ou outras.

Se a pergunta não fosse «qual o melhor» mas sim «qual o mais importante» livro de poesia do século XX, a minha resposta seria diferente: Peregrinatio Ad Loca Infecta, de Jorge de Sena (1969). O postulado que o título antecipa, oferece a síntese (da contemporânea) peregrinação poética, simultaneamente arte menor e arte maior como é o Mundo. Peregrinatio Ad Loca Infecta, peregrinação de vivências e peregrinação compulsiva de erudição, conjuga a razão (surpreendentemente judicativa) e a imaginação numa contiguidade esplêndida de perfeição.

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Os 100 anos de C. Lévi-Strauss: Hermínio Martins

Posted in Efemérides, Inquérito by OLAMblogue on Sexta-feira, 28-11-2008

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Hermínio Martins foi professor nas Universidades de Leeds, Essex, Harvard, Pennsylvania e Oxford, e investigador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Autor dos livros Hegel, Texas e outros ensaios de teoria social e Classe, Status e Poder e outros ensaios sobre o Portugal contemporâneo; organizou o livro Knowledge and Passion – essays in honour of John Rex; co-organizador de Scientific Establishments and Hierarchies, Max Weber’s Science as a vocation, Debating Durkheim, A Morte em Portugal e Dilemas da civilização tecnológica. Publicou ensaios sobre federalismo, teoria social, epistemologia e o papel actual da ciência e da tecnologia, em revistas e colectâneas académcias. Agradecemos a Hermínio Martins a gentil colaboração nesta evocação de Claude Lévi-Strauss no dia em que comemora um século de vida.

OLAM: O que representa para si Claude Lévi-Strauss, hoje?

Se, para Bergson, o Homem seria uma “machine à faire des dieux”, para CLS, parafraseando essa visão, o Homem pode ser visto como uma “machine à faire des mythes” (embora não só, claro: também é natural que produza ciência, que por sua vez se espelha em mitos). Se professou a fé materialista, neurológica, a sua apreciação da nebulosa mitopoeica é rarissima entre os materialistas hodiernos “eliminacionistas”, os neurofilósofos da identidade (na versão forte da type-identity) do cérebro e da mente, para os quais a psicologia de senso comum teria que ser rejeitada completamente ab initio (como todos os modos de experiência e cognição não-científicos). Note-se que, crucialmente, a nota de reflexividade qualificaria a tese da “machine à faire des mythes”, pois se criamos os mitos, também é verdade que “les mythes se pensent en nous” (CLS foi um mestre da reflexividade: mais do que uma questão de estilo, o reflexivo joga na sua obra um papel homólogo ao do quiasmo no pensamento de Merleau-Ponty). Nesta vertente, a sua obra insere-se na grande tradição de pensamento ocidental sobre a função simbólica, de Vico, Schelling e Cassirer, património da antropologia filosófica transcultural. Toda a sua reflexão, segundo o próprio autor, se concentra na problemática de “l’ esprit humain”, os seus invariantes funcionais e ao mesmo tempo toda a diversidade imprevisível e precária das suas realizações: daí que, apesar de tudo, foi, de longe, o mais humanista dos estruturalistas. Como se vê também quando afirma que devemos recuperar o Direito Natural para a conservação comum de todos os povos. A sua obra escapa à aridez, estilística e conceptual, ao “pathos metafísico” caracteristico de tantos mestres antihumanistas franceses do último quartel do século XX, e pode-se ler e reler com proveito depois da ressaca niilista, sem falar do prazer estético da sua linguagem e da arquitectura musical de alguns dos seus trabalhos, numa época em que a escrita e a reflexão académica padecem tanto de amousia.

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Os 100 anos de C. Lévi-Strauss: Filipe Verde

Posted in Efemérides, Inquérito by OLAMblogue on Sexta-feira, 28-11-2008

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Filipe Verde é professor no Departamento de Antropologia do ISCTE e investigador do CRIA-CEAS. A sua pesquisa mais recente centrou-se num contexto clássico da etnografia ameríndia, os Bororo (Brasil), sobre os quais publicará em breve o livro O Homem Livre, e na teoria e epistemologia da Antropologia. Agradecemos a Flilpe Verde a sua disponibilidade para colaborar nesta evocação de Claude Lévi-Strauss, no dia dos seus 100 anos.

OLAM: O que representa para si Claude Lévi-Strauss, hoje?

Para mim C. Lévi-Strauss representa as horas e horas que ao longo de anos passei com os seus livros na mão, tentando perceber o que raio nos queria ele dizer para assim poder explicá-lo aos meus alunos. Representa também o rumo que o meu trabalho de investigação seguiu, porque quanto mais entendia o que ele dizia mais ia percebendo que não era nada daquilo que eu queria dizer. Os aficionados de Lévi-Strauss produziam então um trabalho que me parecia estéril e absolutamente destituído de relevância cognitiva – uma espécie de exercício cabalístico pelo qual, sempre idiossincraticamente e por recurso ao vocabulário da linguística de Saussure, se convertiam sintagmas em paradigmas, inventariavam códigos e as suas permutações, oposições, correlações e transformações, para depois, no fim de tudo, serem trazidas à luz “estruturas mentais universais” que se espremidas se revelavam tão rígidas e secas como uma noz. Para os estruturalistas o jogo de olhar para uma cultura e dispor assim os seus elementos justificava-se a si mesmo, absortos em baralhar e rebaralhar o baralho dos códigos distraíam-se da pergunta que tinham de colocar para poder abandonar a sua compulsão: para que serve fazer isso?

E no entanto, como se fosse preciso dizê-lo, a obra de Lévi-Strauss é uma obra clássica da antropologia, que marcou um tempo, um modo e um estilo de a praticar, é uma obra genial. Não fora o génio do seu autor, provavelmente a mais ninguém ocorreria sequer começar a percorrer os caminhos que Lévi-Strauss dir-se-ia percorreu até ao ponto mais distante, ou mesmo excessivo, a que ele conduz. O estruturalismo foi uma magnífica experiência antropológica, que incendiou polémicas, alargou enormemente os domínios da curiosidade etnográfica e acabou por contribuir, reactivamente, para apontar os caminhos futuros, mais interpretativos, politizados e radicalmente pós-objectivistas, da antropologia – gostar ou não gostar desses novos caminhos e julgar os méritos de os percorrer ou não percorrer é outra coisa, porque entretanto já se virou uma página da história da disciplina. O estruturalismo antropológico, que dir-se-ia não poderia ter saído da cabeça de mais ninguém senão de Lévi-Strauss, (e que em certo sentido com ele se confunde e a ele se resume) foi a manifestação do que os românticos chamavam génio, como aquele que através de um visão íntima e em última análise incomunicável produz as obras nas quais o mundo é iluminado de uma forma própria, tão própria que no-lo revela em termos que de outro modo nunca chegaríamos a ver. Mas resta sempre, claro, saber se é verdadeiro o que assim vemos.

O estruturalismo ficou para trás por boas razões: pela sua inatenção às dimensões fenomenológicas da cultura; pela sua negação da dimensão interpretativa do conhecimento antropológico; pela visão estreita da ideia de linguagem que tomou como guia; pelo seu pan-logicismo de proporções hegelianas; pela fundamentação da sua metodologia numa filosofia (um idealismo materialista, ou materialismo idealista, tanto faz) muito dúbia ou, pelo menos, muito, muito apressada.

E daqui a 100 anos? Fica aqui um vaticínio. A sua obra antropológica estará há muito esquecida e será apenas alvo da curiosidade de historiadores das ideias, que o são justamente porque lêem o que já ninguém há muito lê. Mas Tristes Trópicos ainda serão editados e lidos, um memorial de paisagens humanas fascinantes há muito desaparecidas e do talento literário do seu autor – de que celebramos o prémio maior de uma interessante e longa vida, um século de vida.

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Os 100 anos de C. Lévi-Strauss: Francisco Vaz da Silva

Posted in Efemérides, Inquérito by OLAMblogue on Quinta-feira, 27-11-2008

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Francisco Vaz da Silva ensina antropologia e folclore no departamento de antropologia do ISCTE, em Lisboa. Trabalha sobre representações simbólicas numa perspectiva comparativa. Se lhe perguntassem, diria que o mais recente estado das suas ideias está impresso num livro chamado Archeology of Intangible Heritage (New York: Peter Lang, 2008). Agradecemos a Francisco Vaz da Silva a disponibilidade que revelou para colaborar connosco nesta comemoração do centenário de CLS.

OLAM: O que representa para si Claude Lévi-Strauss, hoje? 

A ÚLTIMA PALAVRA

Há Lévi-Strausses para todas as ocasiões, agendas e gostos. Hoje Lévi-Strauss é para mim, num sentido muito real, Lévi-Strauss em mim. A sua obra suscitou-me uma tal efervescência mental, na voragem e plasticidade intelectual dos vinte e picos anos, que caldeou e renovou os meus processos intelectivos. Pondo as coisas simplesmente, devo-lhe em grande medida o modo como desde então entendo o mundo.

Em boa verdade, este entendimento resulta largamente de um processo de erosão. Gradualmente dispensei discursos com efeitos especiais lógico-matemáticos, virei costas a cogitações abstrusas sobre conjunções e disjunções  e (com um ligeiro sentimento de culpa) larguei até o dogma venerando dos processos mentais de base binária.

Mas, no mesmo processo, a essência da herança intelectual de Lévi-Strauss naturalizava-se como parte do meu fluxo de consciência. Assim, dou hoje como adquirida a noção de que o pensamento simbólico opera a partir dos dados da sensibilidade, ao mesmo tempo que assumo  que compreender é sempre ir além das aparências. Tornou-se-me natural assumir que o sentido se constitui nas e pelas relações entre elementos (cada um dos quais seria opaco em si mesmo). E assumo que o pensamento simbólico é  dinâmico, pelo que a noção de transformação é fundamental para entender processos mentais que usam a metáfora para abarcar o mundo in toto.

Ocasionalmente suspeito até que a necessidade de totalização que Lévi-Strauss atribui ao pensamento mítico — e que a sua própria obra manifesta grandiloquentemente — infecta o meu próprio pensar, que é portanto menos «meu» do que admito. Em todo o caso, é certo que compreendi a pouco e pouco que certas mentes têm uma especial facilidade para se aplicarem às dinâmicas do pensamento simbólico. Tenho como certo que tal é o caso de Lévi-Strauss, assim como o de Freud — o qual Lévi-Strauss define desde cedo como um precursor e que afronta, num acto de freudiano parricídio intelectual (e portanto de homenagem derradeira), quase no termo da sua obra.

Seja como for, da frequência assídua destes dois autores aprendi a extraordinária complexidade de processos mentais a que chamarei totais (com um vago aceno a M. Mauss) dado que unem os recursos dos pensamentos «selvagem» e «domesticado». Tentei em tempos delinear aspectos e consequências desta complexidade da obra de Lévi-Strauss. Enviei-lhe o resultado deste esforço para comentário e recebi,  em carta datada de 21/3/2003, a seguinte resposta:

Quant à votre interprétation, je suis d’accord pour reconnaître qu’en matière de parenté aussi bien que de mythes, j’ai tenté de mettre en évidence un état de déséquilibre foncier. Je vous avoue toutefois qu’à la fin de ma vie, j’éprouve vis-à-vis de ce que, pour simplifier, j’appellerai mon œuvre, un certain détachement, et qu’à supposer qu’elle le mérite, je laisse à d’autres le soin de décider quel sens il convient de lui donner.

No que me diz respeito, esta é a sua última palavra quanto à obra que deixa. Entendo-a como sinal da rara grandeza de alma — síntese de humildade intelectual e de olhar distanciado — que revela Lévi-Strauss enquanto ideal longínquo a alcançar numa época em que «grandeza» e «alma» são noções de pouca monta.

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Inquérito OLAM: Mário de Carvalho

Posted in Inquérito by OLAMblogue on Segunda-feira, 24-11-2008

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Mário de Carvalho é ficcionista e dramaturgo. Estreou-se em 1981, com Contos da Sétima Esfera, tendo ao longo dessa década e da seguinte publicado uma série de obras que se tornaram referências centrais da ficção portuguesa contemporânea, quer no conto, com Casos do Beco das Sardinheiras (1982) ou A Inaudita Guerra da Avenida Gago Coutinho (1983), quer na novela – Quatrocentos Mil Sestércios, seguido de O Conde Jano (1991) -, quer sobretudo no romance, do atípico e decisivo O Livro Grande de Tebas, Navio e Mariana (1982) ao consagrado Um Deus Passeando pela Brisa da Tarde, com que venceu, entre outros prémios, o Grande Prémio da APE, no romance, em 1995. Publicou entretanto teatro: Água em Pena de Pato (1991) e Se Perguntarem por Mim, Não Estou seguido de Haja Harmonia (1999). Neste ano de 2008, editou A Sala Magenta.

1) Qual é, em seu entender, o melhor livro de ficção (romance, novela ou conto) portuguesa do século XX? Porquê?

Porquê um? Porquê a propensão para o único? É a marca do monoteísmo? Ainda assim, há quem no faça trino. Porque me hei-de de comprometer hoje? Porque é que hei-de fechar a hipótese de não ser outro daqui a bocado? Um desses sábios da antiguidade disse: Desconfia do homem dum só livro. Recolhamo-nos por momentos, obedientes, desconfiando. Os velhos dizedores abasteceram-nos de frases. Para quê acrescentar mais? Os praticantes dos questionários costumam, ao menos, autorizar dez livros prà ilha. Porquê um racionamento tão drástico? É a crise? Já?

Apetece-me é fazer perguntas, mas desconfio de que o objectivo do “inquérito” (quiseram mesmo chamar-lhe assim?) não é apurar a capacidade interrogativa do respondente. Em todo o caso, que sei eu?, como dizia o outro.

Para mim, no dia em que escrevo estas regras, o melhor romance do século XX é A Casa Grande de Romarigães. É um ponto de confluência do antes e uma irradiação para o que virá depois. A Casa Grande… não seria possível sem o Amor de Perdição e Os Maias. Mas, sem A Casa Grande… duvido que fossem possíveis A Noite e o Riso, as Casas Pardas, A Paixão, ou Levantado do Chão. A Casa Grande é temperada com graça, dom que, em não havendo, condena. Não me refiro à comicidade (que é sempre, aliás, um ponto positivo), mas àquele sentido entre o irónico, o benevolente e o amargo que impregna, desfamiliariza e nos devolve as coisas iluminadas por um halo que cintila. Esta graça pode favorecer mesmo os autores de pessoa mais sisuda, como o insuportável conde Tolstoi. Eu bem gostaria de falar até em “aura”, mas considero o vocábulo embargado enquanto a moda não passar.

2) Qual é, em seu entender, o melhor livro de poesia portuguesa do século XX? Porquê?

A Feira Cabisbaixa do Alexandre O´Neill. Porque retoma e nos devolve, actualizando-a superiormente, uma tradição satírica que passa por outro grande poeta menosprezado: Nicolau Tolentino. Porque a cada verso surpreende a nossa farronca, o nosso esgar de portugalório armado ao pingarelho e o desgosto disso. Porque vem ressoando e vai continuar a ressoar, até mais ver. Porque contém “poemas que gostaram de mim”, como O’Neill dizia. E, sobretudo, last but no least, tratando-se de poesia, por razões que me transcendem.

3) Se a pergunta não fosse «qual o melhor» mas sim «qual o mais importante», as suas respostas seriam as mesmas ou seriam diferentes? Em quê, no segundo caso?

Na prosa, o Memorial do Convento pela espantosa propagação que teve, a caminho do Nobel. Na poesia, a Mensagem. Eu sei que mete raiva, mas…

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Inquérito OLAM: Manuel Resende

Posted in Inquérito by OLAMblogue on Quarta-feira, 19-11-2008

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Manuel Resende é poeta e tradutor. Como poeta, publicou três livros, com grandes intervalos entre a edição de cada um. Como tradutor, traduziu Lewis Carroll, Beckett, Shakespeare, Elytis (é provavelmente o maior conhecedor da poesia grega moderna entre nós), Sloterdijk, e vários outros. Agradecemos a Manuel Resende a disponibilidade que manifestou para responder ao nosso inquérito.

1) Qual é, em seu entender, o melhor livro de ficção (romance, novela ou conto) portuguesa do século XX? Porquê?
 
O Malhadinhas de Aquilino Ribeiro. Porque, sendo embora prosa regionalista, rompeu com as tradições folclóricas.

Em tempo: estive quase para dar como resposta a este inquérito que o livro de ficção mais importante do século XX para a literatura portuguesa foi o Ulisses de James Joyce traduzido por João Palma-Ferreira (ou até por António Houaiss), pela simples razão de que o original foi um dos livros mais importantes para a Weltliteratur e a literatura portuguesa (seja lá o que isso for) não se pode isolar da literatura mundial: de resto, a maior parte das escolas literárias portuguesas são reflexo e tradução de escolas nascidas “lá fora”. Além disso, ao fazê-lo, defenderia a tradução como criação legítima.

Mas não tive coragem de o fazer.

2) Qual é, em seu entender, o melhor livro de poesia portuguesa do século XX? Porquê?

O livro de poemas do Álvaro de Campos, de Luís de Montalvor na sua sintaxe compositiva e na ortopedia do seu regime de manuseamento e leitura. Porquê? Porque é.
 
3) Se a pergunta não fosse «qual o melhor» mas sim «qual o mais importante», as suas respostas seriam as mesmas ou seriam diferentes? Em quê, no segundo caso?
 
No caso da prosa, a resposta seria a mesma.
 
No da poesia, a resposta já seria diferente: Manual de Prestidigitação de Mário Cesariny de Vasconcelos, porque aponta para um certo grau de insubordinação que é necessário à fluidez do trânsito intextinal. Quero eu dizer, porque assentou definitivamente o surrealismo em Portugal. Com atraso? E quê? A culpa é do Cesariny?
 
Dito isto, o respondente não está certo de haver «um» livro melhor ou mais importante, abrindo uma excepção para Der Mann ohne Eigenschaften, que, infelizmente, não é português. O Valente Soldado Schveik também não é. Nem O Processo. Idem aspas para L’Amour fou.

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Inquérito OLAM: Jorge Fernandes da Silveira

Posted in Inquérito by OLAMblogue on Quinta-feira, 13-11-2008

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Jorge Fernandes da Silveira é Professor Titular da Faculdade de Letras da UFRJ, onde se doutorou, em Literatura Portuguesa, em 1982, e formou alguns dos melhores estudiosos brasileiros da literatura portuguesa. Foi Professor Visitante nas Universidades Brown (onde se pós-doutorou), Santa Barbara at California, Minnesota e Salamanca. Tem obra vasta, dispersa por revistas de referência – Colóquio/Letras, Relâmpago, Metamorfoses, Cadernos de Literatura Comparada, Veredas, Scripta, Semear – e editoras de Portugal e Brasil. Destaquem-se, além de obras que organizou e outras de cariz antológico (sobre Cesário Verde ou Luiza Neto Jorge), os livros Portugal Maio de Poesia 61 (Lisboa, 1986); Verso com verso [Estudos de Poesia Portuguesa] (Coimbra, 2003); O Beijo Partido – Uma Leitura de O Beijo Dado Mais Tarde: Introdução à Obra de Llansol (Rio de Janeiro, 2004); Lápide & Versão: O Texto Epigráfico de Fiama Hasse Pais Brandão (Rio de Janeiro, 2006); O Tejo é um Rio Controverso – António José Saraiva contra Luís Vaz de Camões (Rio de Janeiro, 2008). Agradecemos a Jorge Fernandes da Silveira a disponibilidade para responder ao nosso inquérito.

1) Qual é, em seu entender, o melhor livro de ficção (romance, novela ou conto) portuguesa do século XX? Porquê?

Finisterra de Carlos de Oliveira.
Porque:

a) a tragédia anunciada em Casa na Duna, romance de 1943, volta à boca de cena no poema “13” de Área Branca de Fiama Hasse Pais Brandão, de 1978, mesmo ano em que se publica Finisterra de Carlos de Oliveira. Como um gesto de leitura por meio da escrita, maneira de expressar o seu conhecimento dos “reescritos” do Poeta, como uma forma de reconhecimento pelo Amigo mais velho, numa palavra, o criador de um Trabalho Poético em que a construção da textualidade através da interlocução entre o lido e o escrito é motivo de permanente homenagem, Fiama escreve o seu poema. E eu o cito: “Em horas trágicas, a centelha/ do trovão fracturava o verniz lívido/ do céu verde e as copas/ que a fascinação do céu elevava/ desde o solo, nesses dias,/ até à incandescência das nuvens./ Vi levitar árvores e arestas/ de casas, até se fundirem/ na deflagração, e transformarem/ a sua natureza em seres celestes./ Não era música a piedade/ que purificava as casas/ maculadas, terrenas e habitadas./ Nada se alcançava subindo/ ao ardor da terra aérea./ Nenhum dom humano/ me trouxeram os símbolos/ satânicos e angélicos do fogo./ Ouvi e vi o raio dúctil,/ pensando que era a paisagem/ que estava a exprimir/ uma tragédia clássica pelos tons/ de sangue, de ouro, de saliva./ Vi a boca dos céus que/ num poema grego era a/ do mar ou uma fonte.// Ao princípio, nos primeiros anos/ do texto, eu via-me/ como uma poeira debaixo/ da grandiosidade das árvores./ Como um pequeno som/ de martelo na madeira/ contra as forjas altas/ de um trovão. Como um corpo/ que a linguagem movimentava/ segundo um gráfico/ das comparações. No empedrado,/ embatendo em víboras/ fugitivas, em rebentos de/ vegetais, em nuvens de insectos/ invasores. E o aljófar/ que gotejava sobre a terra,/ água vinda dos lábios dos ventos// ou da mesma garganta rouca./ O ribombar que lhe dá/ uma forma gigantesca.”;

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Inquérito OLAM: Fernando Guerreiro

Posted in Inquérito by OLAMblogue on Terça-feira, 11-11-2008

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Fernando Guerreiro é poeta, com obra vasta e sempre em edição marginal, ensaísta, com obra dispersa por vários volumes mas sempre centrada na questão da representação – do irrepresentável, muitas vezes chamado fantasma -, professor na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e editor underground, com trabalho significativo no selo Black Sun (e, antes, na Quatro Elementos Editora). Agradecemos a Fernando Guerreiro a resposta que nos fez chegar ao nosso inquérito. 

1) Qual é, em seu entender, o melhor livro de ficção (romance, novela ou conto) portuguesa do século XX? Porquê?

2) Qual é, em seu entender, o melhor livro de poesia portuguesa do século XX? Porquê?

3) Se a pergunta não fosse «qual o melhor» mas sim «qual o mais importante», as suas respostas seriam as mesmas ou seriam diferentes? Em quê, no segundo caso? 

Face à questão que colocam, o melhor que lhes posso dizer é que, quando muito, posso referir obras que tiveram um grande efeito em mim (mas portugueses em particular?, porquê? isto vai por nações? será que a língua é de facto a nossa pátria?, duvido): Ângelo de Lima e António Maria Lisboa, em poesia (?), Céu em Fogo de Mário de Sá-Carneiro e o Livro das comunidades de Maria Gariela Llansol (Onde vais Drama-Poesia?). Mas dizer isto é já um erro. Discutir o cânone, ou sequer des-construí-lo, é algo que me diz muito pouco. O terreno da escrita-poesia – a poder-se, hoje em dia, ainda delimitá-lo nestes termos, isolando-o de outras práticas formais(-materiais): as imagens, os sons, os objectos ou práticas de vida – é um terreno móvel e convulso: as camadas geológicas alteram-se, sublevam-se, há terramotos (grandes e pequenos) constantes e instantâneos que revolvem o terreno, confundem os estratos, fazendo dele um tapete-rizoma orgânico-inorgânico, virtual- material em transformação contínua, decididamente não antropomórfica (a lógica do xisto não é humana). Nessa paisagem (oriental, muito oriental) a montanha não é mais alta ou importante do que o vale, a caverna ou o lago; não só porque tudo coexiste num desequilíbrio que define a sua configuração momentânea e em devir, mas também porque  tudo depende do ponto da vista: olhando para baixo, projectando-se no céu negro do precipício, a cratera é um Evereste. E depois:  Hölderlin, naquele que o começa a ler, não é um autor tão recente como …….? Todos os tempos se intersectam num (não-)tempo virtual-real – uma memória invenção cristal (o Manuel Gusmão tem escrito sobre isto) – em que nós próprios instantemente mudamos e somos compreendidos. Como escrevia Artaud – esse autor antigo-recente e português do futuro: “Et je vous l’ai dit: pas d’oeuvres, pas de langue, pas de parole, pas d’esprit , rien. /Rien , sinon um beau Pèse-Nerfs./ Une sorte de station incompréhensible et toute droite au millieu de tout dans l’esprit”.

Chega?

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Inquérito OLAM: Helena Buescu

Posted in Inquérito by OLAMblogue on Terça-feira, 04-11-2008

Helena Buescu é Professora Catedrática da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Tem obra vasta, sobretudo no domínio da literatura comparada (teoria e crítica) e nos séculos XIX e XX. Foi professora visitante em várias universidades da Europa, do Brasil ou dos EUA. É directora-fundadora do Centro de Estudos Comparatistas e membro da Academia Europaea. Publicou nove livros, entre os quais o Dicionário do Romantismo Literário Português, que coordenou (1997), A Revisionary History of Portuguese Literature (com Miguel Tamen, 1999), Chiaroscuro. Modernidade e Literatura (2001), Cristalizações. Fronteiras da Modernidade (2005) ou Stories and Portraits of the Self (2007, com João Ferreira Duarte). Acaba de editar Emendar a Morte. Pactos em Literatura. Agradecemos a Helena Buescu a prontidão com que acedeu a colaborar no nosso inquérito.

1) Qual é, em seu entender, o melhor livro de ficção (romance, novela ou conto) portuguesa do século XX? Porquê?

Considero Mau Tempo no Canal, de Vitorino Nemésio, como o melhor livro de ficção portuguesa do século XX (tanto quanto esta escolha absoluta nos obriga a gestos de exclusão a que não temos justamente de nos obrigar). Porquê. A resposta talvez resida, para mim, naquilo a que eu chamaria a sua incomensurabilidade e a grandeza com que aceita e até almeja o irregular, o imperfeito (como livro). É um romance voraz, daqueles projectos de alcance quase transcendental em que o autor se endereça a Deus (à sua possibilidade ou contingência), à história (hesitando entre as duas guerras mundiais, Nemésio coloca o mundo e o século XX encapsulados dentro das ilhas do arquipélago central dos Açores, Faial, Pico e São Jorge) e às aporias do sujeito obscurecido da modernidade (em herdeiro do grande autor que foi, para todo o século XX, Dostoiévski). Um romance que aceita acabar dentro do terreno do inexplicado (ou inexplicável), que aceita dizer-se completo no preciso momento em que o inacabamento se torna evidente, que tem a coragem de olhar para a felicidade como o lugar estranho de escolhas por vezes incompreensíveis, que fazem da vida humana o lugar de um sentido que, se é procurado, é também incerto. É por fim um romance em que uma das personagens femininas mais vibrantes que conheço, Margarida Dulmo (que responde à Gretchen do Fausto de Goethe), conduz a história a cavalo (metáfora vinda do livro) das suas “venetas”: o mundo é muitas vezes aleatório e imprevisível. Nemésio “responde a” (e por isso fala com) outros projectos incomensuráveis dele conhecidos: mencionei Dostoiévski e Goethe, poderia ainda referir Proust ou Thomas Mann (a Montanha Mágica não fica longe do canal entre o Faial e o Pico, talvez o Pico seja outra montanha mágica como a de Thomas Mann, aliás).  Para ser inteiramente justa, há outro romance português no século XX que não se propõe algo de muito diferente: Sinais de Fogo, de Jorge de Sena. Nem a sua incompletude apaga um semelhante encapsulamento do mundo inteiro (via Guerra Civil de Espanha) na história pessoal dita em português. Outros livros que me são pessoalmente muito próximos (e associo também os seus autores numa linhagem de família) são Maria Judite de Carvalho (Seta Despedida é a meu ver uma preciosa colectânea do presente desespero) e Carlos de Oliveira (Finisterra, romance também das fundações infundadas, como Maria Judite). As últimas linhas que escrevo são, reconheço, uma forma de desviar a conversa da escolha absoluta que me foi pedida. Mas cumpri a resposta. 

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Inquérito OLAM: A. M. Pires Cabral

Posted in Inquérito by OLAMblogue on Terça-feira, 28-10-2008

A. M. Pires Cabral estreou-se na poesia com Algures a Nordeste (1974), tendo em seguida publicado, até 1981, ano de Boleto em Constantim, mais três livros de versos. Seguiu-se um longo interregno na sua produção poética, ocupado pela revelação de um ficcionista que percorreu o conto, a novela e o romance, sempre com inspiração transmontana, a que se seguiu ainda a crónica. Com a edição de Artes Marginais, antologia da sua poesia, em 1998, regressa à poesia, editando desde então a um ritmo assinalável. Com Que Comboio É Este?  vence o Prémio D. Dinis, da Fundação Casa de Mateus, em 2006. Reuniu a sua poesia em Antes que o Rio Seque (2006). O Cónego (2007), no romance, e As têmporas da Cinza (2008), na poesia, são os seus últimos livros. Agradecemos a Pires Cabral a disponibilidade para responder ao nosso inquérito.

1) Qual é, em seu entender, o melhor livro de ficção (romance, novela ou conto) portuguesa do século XX? Porquê?

A Casa Grande de Romarigães, de Aquilino Ribeiro. Porque não conheço outra saga familiar multigeracional com a força desta. Pelo fôlego narrativo. Pelo vocabulário incomparável. E também porque faço questão de preferir livros que não descartam a pontuação e cujas páginas não parecem muros maciços de tijolos.

2) Qual é, em seu entender, o melhor livro de poesia portuguesa do século XX? Porquê?

Aquele Grande Rio Eufrates, de Ruy Belo. Pela unidade e coerência exemplares. Pela forma simultânea e paradoxalmente distanciada e envolvida como contempla a transitoriedade e a finitude. Pela eufonia íntima. 

3) Se a pergunta não fosse «qual o melhor» mas sim «qual o mais importante», as suas respostas seriam as mesmas ou seriam diferentes? Em quê, no segundo caso?

Não. Seriam, respectivamente, o Memorial do Convento e as Poesias, de Álvaro de Campos. Só por uma razão: pela tremenda força seminal.

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Inquérito OLAM: Rui Lage

Posted in Inquérito by OLAMblogue on Domingo, 26-10-2008

Rui Lage é poeta, com um primeiro livro, Antigo e Primeiro, editado em 2002, e o mais recente, Revólver, em 2006. Publicou ainda teatro, fez tradução de poesia e fundou e co-dirigiu a revista aguasfurtadas. Tem crítica publicada em várias publicações periódicas. Integra a direcção da Fundação Eugénio de Andrade e anima ainda o blogue Vala Comum. Agradecemos a Rui Lage a disponibilidade para responder ao nosso inquérito.

1) Qual é, em seu entender, o melhor livro de ficção (romance, novela ou conto) portuguesa do século XX? Porquê?
 
Esquivando-me aos parêntesis, cuja informação neles contida me ensinaram na escola poder ser descartada sem prejuízo da oração principal, vejo-me compelido a escolher o Livro do Desassossego do “semi-heterónimo” de Fernando Pessoa, Bernardo Soares. É certo que a sua estrutura não obedece aos trâmites da ficção tal como comummente a entendemos (nesse caso escolheria Sinais de Fogo, a obra-prima inacabada de Jorge de Sena, onde ainda há espaço para heróis e heroínas e que nos brinda, por acréscimo, com um Bildungsroman, espécie de “retrato do poeta enquanto jovem”). Mas o mesmo se poderia dizer de um “romance” como Finisterra: paisagem e povoamento ou dos “romances” que António Lobo Antunes vem publicando nos últimos anos. Já para não falar das Ficções de Borges (que ele não chamou de “contos”, quando ninguém estranharia se o tivesse feito). Assim, diria que o Livro do Desassossego é a ficção do inexistente ou, como o próprio enunciador diz, “a autobiografia de quem nunca existiu”, uma “história sem vida” escrita por alguém que gosta de sentir-se “coevo de Cesário Verde”. Poderia ser, por exemplo, a biografia, de preferência não autorizada – we “would prefer not to” – do escrivão Bartleby. Nem romance, nem conto, nem novela, nem ensaio, nem diário mas uma espécie de milagre que não mais voltou – nem voltará – a repetir-se, o Livro do Desassossego é a obra “melhor” e “mais importante” do século XX português. E europeu. Portugal não se orgulha o suficiente da única obra engendrada neste insignificante rectângulo que se pode medir, sem medo, com os Essais de Montaigne, os Pensées de Pascal, as Confessions de Rousseau, as Mémoires d’outre-tombe de Chateaubriand, e por aí fora, ficando somente pela Gália, ultrapassando-os, como se não bastasse, a todos. Não vale sequer dizer que é a arte do fragmento levada a um clímax, ridículo de tão assombroso. Basta atentar nos Fragmentos de Novalis para se perceber a diferença, abissal. Ou até no tão badalado e fashion O homem sem Qualidades, de Musil. Em vão se procura perceber como foi possível, de onde veio, e para onde vai o Livro do Desassossego. Mas uma conclusão se pode tirar: o desassossego do título é um desassossego universal. Não universal de uma forma meramente retórica, como é costume dizer-se da obra Y ou do escritor X, quando, por exemplo, é agraciado com o Nobel. Universal em todo o alcance da palavra. Universal porque, tratando-se do desassossego de alguém que viveu quase anónimo, não interessa se ajudante de guarda-livros ou correspondente comercial na baixa lisboeta, e que talvez fosse Fernando Pessoa, pode ser o desassossego de qualquer outro anónimo, em qualquer outro tempo, lugar, língua, cidade. Uma prova? A quantidade de estrangeiros que, depois de lerem o Livro do Desassossego, de imediato o sentem e o adoptam como o livro da sua vida – e das suas vidas. Como foi isto possível, isto é, como pôde um indivíduo, sem deixar de ser indivíduo, ter tido consciência do seu anonimato e insignificância a ponto não da “alegre”, mas da triste “inconsciência disso”? O Livro do Desassossego é a verdade a ser-nos revelada; não a verdade sobre um qualquer sistema, valor, ideia, conceito, realidade, ou o quer que seja, mas a verdade do vazio, e o vazio da verdade: a consciência de que somos é aquilo que nos priva do sossego. Pessoa desejou, escutando a sua ceifeira, “ser ela, sendo eu”. No Livro do Desassossego, nós, leitores de Pessoa, sendo nós, somos ele – persona, ninguém. E este “livro”, que podemos ler desde 1982 graças ao labor de Maria Aliete Galhoz, Teresa Sobral Cunha e Jacinto do Prado Coelho, desassossega o próprio sossego da literatura, ou perturba a sua sonolência. Não esqueçamos que o ajudante de guarda-livros aparecia a Pessoa, escrevia este na célebre carta a Casais Monteiro, sempre que Pessoa estava “cansado e sonolento”. Para Mallarmé a poesia era “a linguagem a sonhar”. Talvez para o autor do Livro do Desassossego a ficção fosse a linguagem a dormir.

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Inquérito OLAM: Nuno Júdice

Posted in Inquérito by OLAMblogue on Quinta-feira, 23-10-2008

Nuno Júdice estreou-se, como poeta, em 1972, com A Noção de Poema. Desse volume até ao muito recente O Breve Sentimento do Eterno vai um percurso marcado por um ritmo alto de publicação, na poesia mas também na ficção, no teatro ou ainda no ensaio, uma vez que é também professor universitário de literatura (na Universidade Nova de Lisboa). Coligiu pela primeira vez a sua obra poética em 1991 (Obra Poética. 1972-1985), datando a última reunião dos seus versos de 2000. Poeta traduzido em várias línguas e na prestigiosa colecção da Gallimard, foram-lhe atribuídos já os mais significativos prémios literários portugueses. Agradecemos a Nuno Júdice a sua pronta colaboração neste inquérito.

1) Qual é, em seu entender, o melhor livro de ficção (romance, novela ou conto) portuguesa do século XX? Porquê?
 
Os Passos em Volta de Herberto Helder, na colecção Novos Contistas da Portugália Editora, edição de 1963, com a capa de João da Câmara Leme e uma dedicatória que o Rui Diniz me fez: «De uma época de PASMO tecem-se as RENDAS DELIRANTES». Nestes contos está tudo, mesmo aquilo que na época não se podia dizer – o comunismo, a prostituição, a dor, uma angústia solitária, o exílio, e um tempo em que pouco mais havia a fazer do que ficar «a tremer e soluçar, debaixo da esplêndida luz do mês de novembro». Aprendi muito da minha escrita ao lê-lo; e tenho dentro dele uma folha de árvore seca com muitas décadas, apanhada talvez no jardim do Campo Grande por onde passava a caminho da Cidade Universitária levando-o comigo, uma folha de papel pautado com um endereço lisboeta manuscrito pelo Herberto Helder que ele me terá dado por qualquer razão, e um título inventado durante alguma aula mais aborrecida: «Como eu fugi da Sibéria (L’OEIL DE LA MOSCOWIE) narrativa verídica dos horrores por que um sacerdote austro-búlgaro passou, antes de ser capturado e barbaramente agredido».

2) Qual é, em seu entender, o melhor livro de poesia portuguesa do século XX? Porquê?

A Memória dum Pintor Desconhecido do Mário Dionísio, na colecção «Poetas de Hoje» da Portugália, com um dedicatória que ele me fez em 1966, estava eu no último ano do liceu Camões e era ele meu professor de Francês. Veio daí, em parte, a relação que sempre estabeleci entre a poesia e a pintura. Foi nele que fiquei a saber «que tudo começa num ramo/de oliveira» ou que, «neste café quase deserto/não espero hoje ninguém/senão a cor difusa duma ausência/que não magoa e sabe bem». E é sem dúvida o melhor porque, além de mim, não deve haver meia dúzia de pessoas mais a saber que este livro existe.

3) Se a pergunta não fosse «qual o melhor» mas sim «qual o mais importante», as suas respostas seriam as mesmas ou seriam diferentes? Em quê, no segundo caso?

Seriam diferentes nos dois casos. Poria a Aparição de Vergílio Ferreira no primeiro caso: um romance onde cabem todas as histórias do mundo, e que me dá uma história  diferente a cada leitura que faço dele. E o Homem de palavra(s) do Ruy Belo: tudo o que há a dizer sobre o século XX de que este livro faz parte está ali, e também sobre o que, do século XX, passou e há-de passar para este século XXI, e outros que vierem.

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Inquérito OLAM: Luís Mourão

Posted in Inquérito by OLAMblogue on Terça-feira, 21-10-2008

Luís Mourão é professor na Escola Superior de Educação de Viana do Castelo. Ensaísta com obra vasta, publicou especialmente sobre ficção portuguesa do século XX, com particular atenção ao tópico do «fim da história» e sempre com especial dedicação à obra de Vergílio Ferreira. A sua última reunião de ensaios, de 2003, intitulou-se Sei que já não, e todavia ainda. Anima, desde há alguns anos, um blogue pessoal, Manchas. Agradecemos a Luís Mourão a disponibilidade revelada para responder ao nosso inquérito. 

1) Qual é, em seu entender, o melhor livro de ficção (romance, novela ou conto) portuguesa do século XX? Porquê?

Na tua face, de Vergílio Ferreira. Por causa da Luz, do Luc, da Ângela, da Bárbara, do Daniel, do mar, da aflição, da paz porque sim, do impossível para além disso, e por nenhuma destas razões.
 
2) Qual é, em seu entender, o melhor livro de poesia portuguesa do século XX? Porquê?

Poesias, de Álvaro de Campos, naquela edição da Ática. Há uma biblioteca imensa a explicar porquê. E depois disso, nunca consegui ler poesia que me atingisse que não fosse, de alguma maneira, sub specie Álvaro de Campos, desde Herberto (o que  se compreende) a Sofia ou a Eugénio (o que já pediria alguma explicação, mas também se compreende).

3) Se a pergunta não fosse «qual o melhor» mas sim «qual o mais importante», as suas respostas seriam as mesmas ou seriam diferentes? Em quê, no segundo caso?

Seriam diferentes. Dizer do “melhor” faz-nos deslizar para o campo do subjectivo e do afectivo sem que sintamos que com isso cometemos qualquer crime “teórico”. Dizer do mais importante implica trabalhar no cânone. A esta distância, não acho que se consiga apontar “o mais importante”, mas apenas obras muito importantes em diferentes períodos (em que por acaso se incluem as duas que elegi como melhores). Daqui por trezentos anos, talvez haja umas notas de rodapé sobre o século XX, talvez um capítulo, mas sobre isso não me pronuncio para manter a coerência do meu percurso académico: nunca escrevi uma linha sobre literatura portuguesa com trezentos anos…

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Inquérito OLAM: Frederico Lourenço

Posted in Inquérito by OLAMblogue on Sexta-feira, 17-10-2008

Frederico Lourenço é Professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Helenista, traduziu os poemas homéricos, mas não apenas, tendo visto o seu trabalho reconhecido pelos maiores prémios de tradução de Portugal (é ainda autor de uma muito popular adaptação da Odisseia para jovens). Publicou naturalmente, em seu nome ou como organizador, volumes de ensaios sobre a Antiguidade Grega. Num período relativamente curto, deu ainda à estampa uma série considerável de volumes de ficção, da premiada trilogia romanesca Pode um Desejo Imenso a volumes de contos e autobiografia, além de crónicas e de uma revisitação dos Caracteres de Teofrasto. Agradecemos a Frederico Lourenço a disponibilidade para responder a este inquérito (e a prontidão nessa resposta).

1) Qual é, em seu entender, o melhor livro de ficção (romance, novela ou conto) portuguesa do século XX? Porquê?

É difícil responder à pergunta sem logo desdobrar a resposta numa multiplicidade de ressalvas e de justificações. Mas terei “a coragem das minhas convicções”, para adaptar o provérbio inglês, e, dando de barato que ninguém quererá fazer-me a maldade de dissociar a minha resposta do subjectivismo absoluto que lhe é inerente (o subjectivismo neste caso de um “leitor” de literatura, e não de um professor ou crítico da mesma), afirmo que o melhor livro de ficção publicado em Portugal no século XX é, em meu entender, A Ilustre Casa de Ramires de Eça de Queirós, dado à estampa em 1900.

A minha resposta não seria diferente se nela reproduzisse literalmente a expressão formal da pergunta, de modo a entender “ficção portuguesa” como abrangendo ficção em língua portuguesa; logo aí se levantaria o espectro do óbvio candidato a melhor livro de ficção em língua portuguesa do século XX, que é Grande Sertão: Veredas de João Guimarães Rosa: mas, mesmo assim, prefiro A Ilustre Casa de Ramires.

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