Os Livros Ardem Mal

Luís Filipe Parrado (III)

Posted in Poesia by Osvaldo Manuel Silvestre on Quinta-feira, 10-09-2009

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DIÁLOGO ÍNTIMO SOBRE O VALOR
PEDAGÓGICO DA HISTÓRIA

Lês, dizes-me, um livro
muito interessante
sobre os grandes generais romanos,
“os homens que construíram
o império”.
Depois citas Apiano
e um episódio em particular
das suas Guerras hispânicas,
esse em que o historiador
refere como Públio Cornélio Cipião,
dito o Africano,
sem dúvida
um extraordinário estratega,
durante o cerco
de Numância
deu ordem aos seus legionários
para que cortassem
as mãos de 400 prisioneiros
celtiberos.
Tratou-se, pelo que pudeste
compreender,
de um acto militar de intimidação
contra todos os que se atreviam
a desafiar o longo
braço imperial.
O que não és capaz de esclarecer
é qual o destino dado
a cada uma dessas
800 mãos.
Terão estrumado a terra ibérica,
alimentado os cães sarnentos
dos centuriões,
ou, cravadas em estacas
e expostas nas encruzilhadas,
como as cabeças
dos bárbaros vencidos,
funcionado como lastimosos
sinais de tráfego
nas bermas dos caminhos
que seguiam invariavelmente
em direcção a Roma?
Sem resposta tua
às minhas perguntas,
resta-me conceber na imaginação
o acontecido,
consciente todavia
de que imaginar
é um acto arriscado
– não mostra a História
que muitos,
no correr dos séculos,
ficaram sem a cabeça
porque, impertinentes, o ousaram?
Ainda assim, ironizas,
não tão perigoso como cercar
ou defender de um cerco
uma cidade,
não te parece?
Agora fico eu em silêncio
enquanto tu,
um meio sorriso ainda sobre os lábios,
viras a página e o rosto,
no preciso momento em que as legiões
de Públio Cornélio Cipião,
o Africano,
arrasam Numância,
no ano de 134 a. C.
Mas não podia ser outra a cidade,
e a data também?,
pergunto por fim.

 

[in Criatura, nº 3, Abril 2009]

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