Os Livros Ardem Mal

Inquérito OLAM: Gonçalo M. Tavares

Posted in Inquérito by OLAMblogue on Sábado, 03-01-2009

goncalomtavares

Gonçalo M. Tavares é autor de mais de duas dezenas de livros, publicados desde Dezembro de 2001. Publicou poesia, textos de classificação difícil, do ponto de vista de uma teoria dos géneros, e ficção. Com Água, Cão, Cavalo, Cabeça, 2006, venceu o Grande Prémio de Conto Camilo Castelo Branco (Câmara Municipal de Famalicão/APE). Com O Senhor Valéry (2002), vencedor do Prémio Branquinho da Fonseca (Fundação Calouste Gulbenkian/Expresso), iniciou a série «O Bairro», que conta já com quase uma dezena de títulos, o último dos quais O Senhor Breton e a Entrevista. Com o romance Jerusalém, 2004, da série Livros Pretos (iniciada com Um Homem: Klaus Klump, 2003, a que se seguiram o referido Jerusalém, A Máquina de Joseph Walser, 2004, e Aprender a Rezar na Era da Técnica, 2007), venceu o Prémio José Saramago, o Prémio LER/Millenium-BCP e o Prémio Portugal Telecom de Literatura 2007 (Brasil). Várias das suas obras têm sido adaptadas ao teatro. Estão em curso traduções e edições dos seus livros em cerca de dezena e meia de países. Agradecemos a Gonçalo M. Tavares a sua colaboração no nosso inquérito.

1) Qual é, em seu entender, o melhor livro de ficção (romance, novela ou conto) portuguesa do século XX? Porquê?

2) Qual é, em seu entender, o melhor livro de poesia portuguesa do século XX? Porquê?

 3) Se a pergunta não fosse «qual o melhor» mas sim «qual o mais importante», as suas respostas seriam as mesmas ou seriam diferentes? Em quê, no segundo caso?

Várias perguntas com direcções distintas podem ter como resposta um único nome se o objecto da resposta for uma coisa inclassificável e forte e se nos nossos instrumentos de análise usarmos o método da implosão intencionalmente dirigido.

Numa implosão tudo cai sobre um ponto, um centro não visível, mas que existe. Claro que depois há destroços por arrumar, despejar, tapar, fazer desaparecer. E, claro: há muito mais mundo do que aquele mundo circunscrito.

Há ainda e sempre ressaltos, contágios, partículas que deveriam ter ficado no centro ou no espaço que o rodeia e que, afinal, se comportaram de modo inadequado. De qualquer forma, uma implosão impõe respeito (uma destruição para dentro, uma destruição bem-educada, uma destruição que não pisa a linha definida).

O Livro do Desassossego de Fernando Pessoa-Bernardo Soares é esse ponto central do século XX (tempo) e do país (espaço). Um século e uma superfície caem num ponto.

Logo no início de um livro em que hoje pego (Corpo e Imagem, de José Bragança de Miranda) cita-se o Livro do Desassossego: “se o coração pudesse pensar pararia”. Não me lembro desta frase, mas ela estará lá. Tal como muitas outras.

A implosão de que falamos refere-se também aos diferentes géneros. “Se o coração pudesse pensar pararia”; esta frase pode ser vista como um verso, ou como a pequena parte de um romance, ou como coisa que vai a caminho do ensaio ou, simplesmente (voltando ao início), como uma frase.

No livro que referi cita-se o Desassossego enquanto se reflecte sobre a imagem. Nos livros em que se estuda tudo o resto que não a imagem, também se poderia citar o Desassossego de Pessoa. Para qualquer assunto, enfim, encontraremos uma citação vinda do livro. Uma frase (a anterior) que também pode ser ouvida quando se fala de livros religiosos.

Eis, pois, os efeitos evidentes de uma implosão: tudo o que antes parecia ocupar muito espaço e tudo o que antes parecia tão diferenciado é agora coisa uniforme concentrada no mínimo.

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