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Os 100 anos de C. Lévi-Strauss: Hermínio Martins

Posted in Efemérides, Inquérito by OLAMblogue on Sexta-feira, 28-11-2008

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Hermínio Martins foi professor nas Universidades de Leeds, Essex, Harvard, Pennsylvania e Oxford, e investigador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Autor dos livros Hegel, Texas e outros ensaios de teoria social e Classe, Status e Poder e outros ensaios sobre o Portugal contemporâneo; organizou o livro Knowledge and Passion – essays in honour of John Rex; co-organizador de Scientific Establishments and Hierarchies, Max Weber’s Science as a vocation, Debating Durkheim, A Morte em Portugal e Dilemas da civilização tecnológica. Publicou ensaios sobre federalismo, teoria social, epistemologia e o papel actual da ciência e da tecnologia, em revistas e colectâneas académcias. Agradecemos a Hermínio Martins a gentil colaboração nesta evocação de Claude Lévi-Strauss no dia em que comemora um século de vida.

OLAM: O que representa para si Claude Lévi-Strauss, hoje?

Se, para Bergson, o Homem seria uma “machine à faire des dieux”, para CLS, parafraseando essa visão, o Homem pode ser visto como uma “machine à faire des mythes” (embora não só, claro: também é natural que produza ciência, que por sua vez se espelha em mitos). Se professou a fé materialista, neurológica, a sua apreciação da nebulosa mitopoeica é rarissima entre os materialistas hodiernos “eliminacionistas”, os neurofilósofos da identidade (na versão forte da type-identity) do cérebro e da mente, para os quais a psicologia de senso comum teria que ser rejeitada completamente ab initio (como todos os modos de experiência e cognição não-científicos). Note-se que, crucialmente, a nota de reflexividade qualificaria a tese da “machine à faire des mythes”, pois se criamos os mitos, também é verdade que “les mythes se pensent en nous” (CLS foi um mestre da reflexividade: mais do que uma questão de estilo, o reflexivo joga na sua obra um papel homólogo ao do quiasmo no pensamento de Merleau-Ponty). Nesta vertente, a sua obra insere-se na grande tradição de pensamento ocidental sobre a função simbólica, de Vico, Schelling e Cassirer, património da antropologia filosófica transcultural. Toda a sua reflexão, segundo o próprio autor, se concentra na problemática de “l’ esprit humain”, os seus invariantes funcionais e ao mesmo tempo toda a diversidade imprevisível e precária das suas realizações: daí que, apesar de tudo, foi, de longe, o mais humanista dos estruturalistas. Como se vê também quando afirma que devemos recuperar o Direito Natural para a conservação comum de todos os povos. A sua obra escapa à aridez, estilística e conceptual, ao “pathos metafísico” caracteristico de tantos mestres antihumanistas franceses do último quartel do século XX, e pode-se ler e reler com proveito depois da ressaca niilista, sem falar do prazer estético da sua linguagem e da arquitectura musical de alguns dos seus trabalhos, numa época em que a escrita e a reflexão académica padecem tanto de amousia.

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