Os Livros Ardem Mal

O visível e o invisível em Paulo Valverde

Posted in Artes, Autores, Edição, Efemérides, Livros, Vária by Luís Quintais on Domingo, 10-05-2009

670954[Paulo Valverde. Fez agora em Abril passado, mais precisamente no dia 4, dez anos sobre a morte daquele que terá sido porventura um dos mais significativos antropólogos portugueses de sempre. Dir-se-á que é fácil atingir essa meta, porque a concorrência sempre foi de pequena monta. Sim, sem dúvida. Mas para quem alguma vez assistiu a uma aula deste homem que morreu com 37 anos, ou para quem teve o prazer de ler as suas páginas hoje tão esquecidas, a sua celebração é incontornável. Nesse sentido, gostaria de deixar aqui um ensaio meu já com alguns anos que desenvolve algumas linhas de interpretação do que poderá ser a sua escrita e a sua estratégia de recodificação desse «texto» que é a «cultura». O ensaio faz remissões ao livro póstumo que inclui muitos dos seus trabalhos mais teóricos e uma parte que creio substancial dos seus diários e notas de campo. Serve também o presente post para chamar a atenção para esse livro que deverá estar, estou certo disso, a apodrecer, exemplares muitos, nalgum canto escuro de um armazém de refugos. Triste sorte para um prosador extraordinário cuja escrita terá pouquíssimos antecedentes entre nós, e que, no seu melhor, ombreia com páginas de Malinowski e de Leiris. Ah, é verdade, aí vai a referência: Paulo Valverde, Máscara, Mato e Morte. Textos para uma etnografia de São Tomé, Oeiras, Celta, 2000.].

Entre a pequena comunidade de antropólogos sociais portugueses, é reconhecida a enorme perda intelectual e afectiva (sobretudo para aqueles que com ele privaram de perto) que representou o falecimento prematuro de Paulo Valverde (1961-1999). Vítima de malária contraída em São Tomé, Paulo Valverde afirmar-se-á cada vez mais como uma espécie de personificação trágica e mítica da figura do antropólogo enquanto herói. Não no sentido lévi-straussiano do termo, isto é, enquanto herói civilizador capaz de resgatar o fogo sagrado de culturas cujo recorte elegíaco ou crepuscular se tornou forçosamente aparente durante o século XX. Mas antes como aquele que, compreendendo o quanto há de culturamente perverso nas modalidades salavacionistas mais ou menos declaradas mais ou menos conscientes da disciplina, se afadiga em traçar-lhe novos rumos não apenas metodológicos (Paulo Valverde era alguém que, comprometido com uma dada tradição metodológica, o fieldwork situado e localista, parecia cada vez mais incomodado com os seus limites) , mas também, e com especial ênfase, novos rumos analíticos. O heroísmo, a haver um, está na determinação e no seu risco (um risco que ele assumira e que pode ser qualificado igualmente pela intimidade cultural, sem par entre os antropólogos sociais portugueses das últimas décadas, que foi assegurando no terreno). Paulo Valverde acreditava na possibilidade da disciplina se reconstituir enquanto analítica das metanarrativas modernas, entre as quais se encontrariam, certamente, os projectos salvacionistas e politicamente correctos evidenciados por tantos dos seus contemporâneos, e, de forma particularmente indiossincrática e inquestionavelmente sedutora, demonstrava-o através dos seus textos, aulas, e inúmeros momentos de discussão informal de que poderam beneficiar todos aqueles que foram seus alunos e colegas. (more…)

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Edgar Allan Poe sem intuição e sem acaso

Posted in Artes, Autores, Comentários, Crítica, Edição, Efemérides, Livros, Notas, Poesia, Recensões, tradução, Vária by Luís Quintais on Domingo, 03-05-2009

d2687f5ef69d40cb8a6dc5b3121b3b95-smallbookPoe é um dos portais da modernidade literária. Sem ele, outra seria a nossa percepção do que foram/são Baudelaire, Mallarmé, Eliot, Pessoa, etc. Sem ele, não teríamos muito provavelmente, o drama da emoção e da razão tal como o viveram e expressaram os modernos.

Nos duzentos anos sobre o seu nascimento (Poe nasceu a 19 de Janeiro de 1809 e faleceu a 7 de Outubro de 1849), o mais traduzido dos autores americanos em Portugal, tem nesta Obra Poética Completa uma das suas homenagens mais significaticas.

Poe foi talvez um dos primeiros poetas a explicitar uma poesia por vir, marcada pelos desígnios maiores da ciência. A diluição dos «enigmas» da natureza e do humano, a convivência com um mundo «desencantado», a urgência de recodificação através das lições do gelo que a ciência comportava e comporta inexorovelmente: tudo temas que a poesia de Poe articula de um modo constante, ao mesmo tempo que pretende aceder a um patamar de reinvenção formal da escrita onde se apela a uma exigência de «método» (que o célebre ensaio «A Filosofia da Composição» enuncia).

Esta tensão entre o desencantamento do mundo e a sua requalificação pode ser ilustrada através do poema «Soneto – À Ciência»: «Ciência, ó filha do Tempo Velho! / Que, de olhos coruscantes, tudo espreitas, / Por que rasgas ao poeta o amplo peito, / Abutre de asa rude que se engelha? Como te pode amar, crer-te avisada, / Que o não deixaste andar, errante, ao vento, / Buscando as jóias que há no firmamento / Ainda que o singrasse de asa ousada? / Diana escorraçaste da quadriga, / Do bosque a Hamadríade (fugindo / Ela a abrigar-se em estrela mais amiga), / À Náiade tiraste a onda cava, / Ao elfo o prado, e a mim o tamarindo / Em cuja sombra eu no Verão sonhava.» (OPC, p. 80).

A edição é primorosa, com uma excelente tradução, introdução e notas de Margarida Vale de Gato (uma tradutora que merece referência pela qualidade e quantidade do seu trabalho de tradutora), e com notáveis ilustrações de Filpe Abranches.

Acresce ainda o já referido ensaio  “A Filosofia da Composição” (pp. 273-288), onde Poe explicita a génese de «The Raven» (ler p. 277), e nos revela a intenção de uma poesia sem «acaso» e sem «intuição».

É pena que a edição não seja bilingue; porém é compreensível: tal projecto iria seguramente encarecer uma edição desta exigência gráfica.

Edgar Allen Poe, Obra Poética Completa. Tinta-da-China, 2009 [ISBN 978-972-8955-93-9].

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Acidente e simulação em JG Ballard (pré-publicação)

Posted in Artes, Autores, Crítica, Efemérides, Livros, Notícias, Recensões, Vária by Luís Quintais on Segunda-feira, 20-04-2009

ballardsroom6Negativity is a positive task.
Paul Virilio

De que forma é que a literatura cooptou um dos dados mais fundamentais da experiência moderna: a presença incontornável (e o lado inexorável dos processos que essa presença reclama) de uma paisagem radicalmente transformada pelo concurso da ciência, ou melhor, da tecno-ciência? A pergunta instala-se imediamente num contexto de contornos difusos, mas mesmo assim decisivo para nós. A noção de tecno-ciência faz-nos assumir que o conhecimento científico se inscreve em complexas configurações de natureza social e material que lhe dão a sua gravidade, densidade, e poder. De que forma é que a literatura respondeu às figurações utópicas e distópicas do projecto moderno que visava projectar o mundo de acordo com os preceitos de um conhecimento politicamente necessário porque experimentalmente validável e universalmente verdadeiro?

Como alguém que prefere uma singularidade para fazer ecoar forças  de improvável cartografia que a atravessam, sugiro que nos concentremos num exemplo cujas reverberações se tornam, a meu ver, reveladoras. A minha sugestão é que nos atenhamos a uma espécie de genealogia mais ou menos solta da escrita de um romance particularmente influente e sobre o qual se projecta uma luz que gostaria de caracterizar como oracular, isto é, como se se tratasse de um objecto que reclama uma exploração extrema (e extremada) realizada num território de potencialidades que parecem emergir sinuosamente do presente, esse presente que se dilata e que nos colhe irremediavelmente. Estou a falar de Crash (1973) de JG Ballard, e Crash pode ser pensado a montante, porque o livro é o resultado de um conjunto de obsessões que lhe são prévias.

Em conformidade com um dos preceitos ballardianos que nos diz que, para lá das nossas obsessões, pouco haverá que valha a pena ser perseguido, Ballard aventurou-se quase sistematicamente, desde finais da década de sessenta, num território de inquietação profunda a que Freud designou de Das Unheimliche, e a que o antropólogo Victor Turner chamaria certeiramente de liminar, isto é, um território de improvável classificação, porque betwixt-and-between: nem dentro nem fora, mas antes no umbral, aí onde a viscosidade (um mundo que não é líquido e que não é sólido) se torna uma constante afectiva, e onde aquilo que nos fascina é igualmente aquilo que nos repugna.

O cenário é o de um mundo onde se dramatiza e performatiza o espectáculo debordiano de uma sociedade de consumo que faz das derivas tecnológicas – e dos sulcos que estas deixam no tecido da história e da paisagem – uma alavanca para o seu exercício autofágico e onde, polémica e prescientemente, tecno-ciência e pornografia se associam num exercício de reconfiguração do poder e do desejo.

(…)

No seu último Miracles of life, Shanghai to Shepperton: an autobiography (2008), Ballard revisita Crash, revelando-nos, mais uma vez, como se trata um livro profundamente enraizado num período histórico (os sixties) e como a tópica do «acidente» e da (more…)

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JG Ballard

Posted in Artes, Autores, Balanço, Comentários, Efemérides, Livros, Notas, Notícias, Vária by Luís Quintais on Segunda-feira, 20-04-2009

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Faleceu o nosso correspondente em Shepperton. Leia-se, por exemplo, o obituário do Guardian.

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O sentido é revisitação ou uma selva dentro da selva ou por que é que o cérebro não explica a arte ou só a explica parcialmente

Posted in Artes, Autores, Comentários, Livros, Notas, Oficina, OLAM, Vária by Luís Quintais on Sexta-feira, 03-04-2009

neuronUm dos aspectos mais interessantes das chamadas neurociências cognitivas contemporâneas prende-se com a relevância que aí assume uma imagem do cérebro enquanto estrutura dotada de uma complexidade e de uma plasticidade extraordinárias.

A arte pode ser pensada frutuosamente como um aspecto da cognição humana, isto é, como algo que resulta de um processo multiforme de aquisição de conhecimento, e, nesse sentido, como algo que radica em processos que poderíamos descrever como mentais.

O problema começa talvez aqui.

A minha tese é a de que sem cérebro não há mente (o que é, desde Thomas Willis e da «neurocentric age», uma evidência incontestável), mas que a mente não é o cérebro; penso, aliás, que não há consensos alargados sobre aquilo que a mente é, e de que forma é que podemos passar das ontologias na terceira pessoa para as ontologias na primeira pessoa, ou, de outro modo, da objectividade para a subjectividade, e vice versa. Estamos na fronteira, e toda a gente sabe como são as fronteiras que tornam a ciência fascinante, difícil, ou, de outro modo, de exercício quase improvável. Somos confrontados com aquilo que não sabemos, ou, eventualmente, com os limites do que sabemos.

De acordo com uma leitura wittgensteiniana do que se encontra aqui em causa, talvez estejamos perante um problema de linguagem ao dizermos que são os cérebros que pensam.

Wittgenstein ensinou-nos, como nenhum outro, a suspeitar da linguagem. As palavras podem trair-nos e levar-nos a olhar para certos problemas como problemas reais, quando eles não passam de puzzles que devem ser desmontados. Assim, se os estômagos não comem também é muito improvável que os cérebros pensem, ainda que, e volto a enfatizar este ponto, não possa haver pensamento (e todos os seus avatares: consciência, intenção, memória, etc.) sem cérebro.

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Página 161?

Posted in Livros, Vária by Pamplinas on Quarta-feira, 11-03-2009

Rui Bebiano, um dos meus generosos hospedeiros neste blogue – um Professor Doutor por Coimbra, meu Deus! -, insta-me a entrar num desafio em cadeia, um desses cujas razões desafiam a Razão, mormente a minha, sempre tão exausta. Trata-se de ir ao livro que se anda a ler e transcrever, da p. 161, a linha 5, confiando em que ela há-de fazer o sentido que as coisas díspares fatalmente fazem, pelo menos desde o Sr. Breton. O desafio, hélas!, pressupõe livros acima de 160 pp., o que é raramente o caso comigo, agora que já li os clássicos que os meus mestres, na sua clarividência, me aconselharam. E assim é também nesta ocasião, uma vez que o livro que ando a ler, e que é este (muito bem traduzido por um outro Professor Doutor por Coimbra, santos deuses!) se fica pelas 104 pp., nelas já incluídas aquelas finais, em branco, que o número par das páginas de cada caderno tantas vezes exige… A minha linha 5 da p. 161 encontra-se pois no limbo e é essa a contribuição que, sem esperar qualquer retribuição, dou a quem, de modo inopinado e sempre hospitaleiro, convidou a insignificância do meu nome para esta dança: o limbo da página para lá do colofon como esse lugar em que todos os livros resgatam a sua existência inecessária.

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Da leitura como perdição

Posted in Cinema, Livros, Vária by Sandra Guerreiro Dias on Sábado, 21-02-2009

Rezza

O caminho para a perdição pode ser um qualquer que queiramos, se a isso nos for dada escolha. Pode ser o que seguimos a torto ou a direito, que no fim não sabemos nunca onde vamos dar. Em Caminho para Perdição, de Sam Mendes, são muitos os caminhos que se cruzam sem o fim que seja o deles, nem o de quem os escolheu percorrer. Ao contrário de que sempre assumimos como risível dado adquirido e risível, e que o é apenas de vez em quando, um caminho pode ser isso mesmo que é ou tão somente o caminho que há e mais nenhum a caminho de nada que seja o suficiente do que é em si, ou um outro ainda, que se percorre sem se percorrer para se dizer do lugar das coisas e do que elas aparentemente são sem o serem e sendo-o ante o que quisermos que seja. Em Caminho para Perdição, ensaia-se o que em perspectiva, esta que em cima se adianta, carece de formulação explícita no filme para que assim se simule e se afirme enquanto manobra de actuação e intervenção. Há por isso, e para que se efective essa possibilidade de denúncia do que é para então se ser de um outro modo, dois caminhos que se percorrem ao contrário e que se completam do fim para o princípio, no princípio que com o fim é o que começa, no fim quando percebemos que a perdição, no que é de génese e conceito variável, ou sempre o mesmo, poderá ser o princípio de todas as coisas, independentemente do que queiramos: salvar-nos ou perder-nos.

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Música azul

Posted in Autores, Livros, Recensões, tradução, Vária by Luís Quintais on Quarta-feira, 04-02-2009

musicofilia2Este é um livro do singularíssimo Oliver Sacks, o mesmo que nos trouxe, desde o seu The Man Who Mistook his Wife for a Hat (1985), a possibilidade de nos confrontarmos com a dimensão literária dos «estudos de caso» em ciência. É verdade que a prática de estudos de caso é comum em ciência desde longa data, mas foram poucos, e são poucos ainda hoje, os cientistas que nos conduzem, justamente, para o facto de se tratar de um dos lugares de eleição em que literatura e ciência se cruzaram e cruzam de um modo existencial e estilisticamente significativo.

Sacks contribuiu, sem margem para dúvidas, para a disponibilidade que existe hoje no mercado livreiro (sobretudo no mundo anglo-saxónico) para este tipo de trabalhos em que as histórias clínicas servem de mote para explicitar um drama existencial e, ao mesmo tempo, para nos elucidar acerca de um problema científico. Em grande medida, uma parte considerável da popularidade do notável neurocientista português António Damásio prende-se com isto também. Pena é que ainda se não tenha descoberto o manancial de histórias que, por exemplo, a antropologia contém, visto tratar-se porventura de uma das ciências que mais desenvolveu metodologicamente a prática dos estudos de caso.

Bem, mas regressemos a Sacks, ao justamente famoso Sacks. Neste seu livro, Musicofilia, o neurologista inglês sediado nos Estados Unidos, traz-nos um conjunto de históricas clínicas que nos permitem compreender a extraordinária relação entre a música e o cérebro. Os estudos clínicos aqui apresentados são de dimensão e alcance desigual. Vão de histórias que nos contam como pode uma canção ficar colada à mente numa espécie de loop contínuo, a outras que nos parecerão verdadeiramente insólitas: pacientes com doenças degenerativas cujos sintomas recuam através do seu contacto com a música, homens adultos que apanhados por um relâmpago desenvolvem um gosto obsessivo por música para piano, chegando a conseguir atingir um significativo domínio do instrumento, maestros que são atacados por estranhas formas de amnésia que os fazem tudo esquecer, menos a sua capacidade para dirigir e cantar, etc.

Gosto particularmente da parte acerca das sinestesias. Escreve Sacks:

De todas as formas diferentes de sinestesia, a sinestesia musical – principalmente efeitos de cor experimentados enquanto ouvimos ou pensamos em música – é uma das mais comuns, e provavelmente a mais dramática. Desconhecemos se é mais comum em músicos ou pessoas musicais, mas claro que é mais provável que os músicos tenham maior consciência dela, e muitas das pessoas que ultimamente me descreveram as suas sinestesias musicais são músicos. // O famoso compositor contemporâneo Michael Torke tem sido profundamente influenciado por experiências com música colorida. Torke revelou talentos musicais notáveis numa idade precoce e com cinco anos deram-lhe um piano, e uma professora de piano. «Já era compositor aos cinco anos», diz – a professora dividia as peças em secções e Michael rearranjava as secções em ordens diferentes enquanto tocava. // Um dia comentou com a professora, «Adoro aquela peça azul.» // A sua professora não tinha a certeza de ter ouvido bem: «Azul?» // «Sim», disse Michael, «a peça em Ré maior […] Ré maior é azul.» // «Para mim não», respondeu a professora. Estava intrigada e o Michael também, pois ele assumia que toda a gente via cores associadas a claves musicais. Quando começou a perceber que nem todos partilhavam desta sinestesia, teve dificuldade em imaginar como isso seria, pensando que era equivalente a «uma espécie de cegueira» (pp. 171-172).

As «vogais» de Rimbaud têm afinal um correlato neurológico.

Sacks, Oliver, Musicofilia: Histórias Sobre a Música e o Cérebro, Lisboa, Relógio d’ Água, 371 pp., 2008 [ISBN 978-972-708-997-0]

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Merci beaucoup, Professor Claude

Posted in Comentários, Vária by Rui Bebiano on Sexta-feira, 28-11-2008

Claude Lévi-Strauss

Inicialmente em A Terceira Noite

Quero recordar os 100 anos que o antropólogo, professor e filósofo Claude Lévi-Strauss completa neste 28 de Novembro. Mas começo pelo fim: pelo esquecimento. Hoje, quando menciono numa aula de licenciatura o nome de Lévi-Strauss, para tornar mais clara a identificação preciso dizer que não me estou a referir àquele senhor de origem alemã que em 1853 fundou em São Francisco a primeira fábrica de blue jeans. E preciso começar por recomendar, para evitar grandes choques, a leitura mais facilmente sedutora desses apontamentos de trabalho de campo na terra amazónica, aparecidos em 1955 e por vezes apresentados como um mero exemplo de literatura de viagens, que são os Tristes Trópicos. Lévi-Strauss, como o estruturalismo, está fora de moda.

No entanto, quando reentrei na universidade logo após a revolução de Abril, a primeira obra cuja leitura me foi recomendada, e que tenho agora aqui mesmo à minha frente na edição velhinha da Presença, foi o Raça e História, um livro publicado pela primeira vez em 1952 que naqueles anos setenta sublinhei conscienciosamente. Retenho dele – numa altura em que volto a ouvir na televisão os apresentadores falarem de povos «mais» ou «menos» civilizados – fragmentos da sua reapreciação das culturas ditas «arcaicas» ou «primitivas». E sobretudo da sua crítica radical e refundadora do etnocentrismo: «Preso entre a dupla tentação de condenar experiências que o chocam afectivamente e de negar as diferenças que ele não compreende intelectualmente, o homem moderno entregou-se a toda a espécie de especulações filosóficas e sociológicas para estabelecer vãos compromissos entre estes pólos contraditórios, e para aperceber a diversidade das culturas procurando suprimir nesta o que ela contém, para ele, de escandaloso e de chocante.»

O ponto final na hipótese da existência de uma «mentalidade primitiva», posto definitivamente em causa, no ano de 1962, em O Pensamento Selvagem – numa defesa dos «saberes indígenas» que ainda hoje desagrada a muitos porque queima um certo sentido da história construído ao longo de séculos – já se encontra ali, seguindo um método de observação do social e uma filosofia para a vida que procuro praticar e que tento ainda partilhar com quem me vai ouvindo: «A tolerância não é uma posição contemplativa dispensando indulgências ao que foi e ao que é. É uma atitude dinâmica, que consiste em prever, em compreender e em promover o que quer ser. A diversidade das culturas humanas está atrás de nós, à nossa volta e à nossa frente. A única exigência que podemos fazer valer a seu respeito – exigência que cria para cada indivíduo valores correspondentes – é que ela se realize sob formas em que cada uma seja uma contribuição para a maior generosidade das outras.» Muito obrigado, caro Professor Claude.

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Do mundo inútil

Posted in Autores, Comentários, Notas, Notícias, Recensões, Vária by Luís Quintais on Quinta-feira, 27-11-2008

283aQualquer texto num blogue parece exigir uma representação visual que não se limite àquela que a escrita vai compondo. Uma fuga à monotonia, à melancolia da leitura, à impossibilidade de conquistar seja quem for através das palavras, somente. Uma capitulação atestada da linguagem? Dir-se-ia que fazer acompanhar um texto com imagens se presta a todos os equívocos, mas também a descobertas desconcertantes.

Os livros de WG Sebald, na sua constante reinvenção desse espaço que vai da representação à irrepresentação (como se a “realidade”, a mais dura das categorias, nos colocasse sempre perante uma espécie de exigência ou repto do que não pode ser mediado e que, paradoxalmente, exige constante mediação) são uma das mais originais incursões em torno deste território grave e perigoso. Quando lemos Sebald, questionamo-nos sempre acerca deste trabalho de ousadia – e talvez de vergonha extrema – que é levar a literatura até ao seu limite (esse lugar onde a literatura ou a arte poderão ser somente uma impertinência) e conquistar esse limite: um limite trágico, porque todo o fracasso é aí a afirmação de uma atribuição humana que excede os recursos do indivíduo e que o coloca à beira de uma fatalidade expressiva, que é a de deixar de falar de si, irrevogavelmente. O que fala através de si em Sebald?

Não o sabemos, e não sei se é muito importante sabê-lo. Tudo isto para chamar a atenção para um magnífico (e ousadíssimo) ensaio de Jorge Leandro Rosa sobre as mais devastadores fotografias que conheço, porque produto não da autoria, mas de tudo o que lhe excede, e que fará da representação, da sua possibilidade, uma aposta de testemunho e de sobrevivência. Refiro-me às fotografias que alguns elementos dos Sonderkommando tiraram clandestinamente – em circunstâncias de difícil esclarecimento – dos campos e do seu trabalho. Estas imagens – que estão no centro de uma controvérsia recente que implica Georges Didi-Huberman, Gérard Wajcman e Elisabeth Pagnoux – conduzem Jorge Leandro Rosa a uma reflexão que se joga nas codificações (justificadas ou não, do irrepresentável). Transportam-nos, como não deixa de salientar, para uma certa acepção de «infinito» ou vazio que é o símile de um horror sem autoria. Escreve Jorge Leandro Rosa:

«E há a questão daquilo que podemos designar como paisagem. Estes corpos (e o corpo do fotógrafo também) perdem-se na paisagem por diversas razões. Perder-se na paisagem é perder a própria qualidade da presença, já que a paisagem é presença sem nunca ser outra coisa, senão no artifício da representação. Ora, o que caracteriza um corpo é que este é sempre qualquer coisa sem nunca chegar a estar puramente presente. Só a carne pode ser como a paisagem, só a carne pode chegar como a paisagem ao mundo sem nunca nele ter estado verdadeiramente e sem nele marcar um lugar preciso. Sem qualquer pretensão sobre o sentido, a paisagem cresce tanto mais na consciência pictórica europeia quanto esta deixa de ser uma consciência enraizada naquilo que faz sentido. Como lembra Jean Luc-Nancy, a paisagem ‘é o lugar da estranheza e da desaparição dos deuses’. Há paisagens com horizonte, que são aquelas que reenviam para a imprecisão infinita do próprio limite do olhar, e há paisagens sem horizonte, mas que o substituem por linhas de fumo, por grupos de árvores, pela luz solar em frente do observador. Temo-las aqui. Essas são as paisagens que, de alguma forma, fizeram o mundo inútil, já que toda a observação é paisagística no sentido de ser injustificável.» («O inimaginável: leituras dos corpos e das suas imagens», in Nada, nº 12, pp. 118-119).

Luís Quintais.

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Silêncios

Posted in Vária by Rui Bebiano on Quinta-feira, 20-11-2008

Silêncio 1970
Vilar Formoso – Portugal/1970

A fotografia testemunha a dimensão vivamente expressiva do silêncio. Sinal primário da arte fotográfica, a suspensão no tempo da imagem captada com a câmara e a utensilagem técnica da qual ela se serve retira-a do estrépito dos dias, reforçando e diversificando por esse meio a sua conformação simbólica. O «trabalho do silêncio», como lhe chama Eni P. Orlandi, impõe assim o seu papel fundador na relação do sentido com o imaginário. E n’A Câmara Clara, Barthes fala de um «saber fotográfico» que nenhuma outra forma de reconhecimento do mundo pode comunicar.

Mas quando ao silêncio da fotografia se associa o silêncio como objecto fotográfico, a intriga de sentidos torna-se explosiva de tão veemente, enérgica, que se apresenta ao olhar. Podemos observar agora um novo episódio desta apoteose que grita em Silêncios/Silences, um álbum bilingue de Eduardo Gageiro editado sem editora e sem apoios oficiais. São perto de 180 imagens a sépia, instantes captados em Portugal e mundo afora entre 1955 e 2007, que se nos impõem intimamente pela forma como os silêncios representados nos calcam e nos emudecem. O texto de Lídia Jorge que as antecede comenta algures: «Eu experimentei, e agora sei que somando silêncio mais silêncio, mais silêncio, e ainda mais silêncio, assim infinitamente somados, dessas parcelas todas, nunca resultarão silêncios».

Eduardo Gageiro (2008), Silêncios/Silences. Prefácio e epígrafes de Lídia Jorge. S.l.: s.e. 200 p. ISBN: 978-972-96469-3-5

Rui Bebiano

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O Sul (Jorge Luis Borges)

Posted in Oficina, Vária by Luís Quintais on Terça-feira, 11-11-2008

De um de teus pátios ter olhado
as antigas estrelas,
do banco da sombra
ter olhado
essas luzes dispersas
que minha ignorância não aprendeu a nomear
nem a ordenar em constelações,
ter sentido o círculo da água
na secreta cisterna,
o odor do jasmim e da madressilva,
o silêncio do pássaro adormecido,
o arco do saguão, a humidade
– essas coisas, acaso, são o poema.

(Trad. Luís Quintais)

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Livros Cotovia, vinte anos

Posted in Comentários, Notas, Notícias, Vária by Luís Quintais on Sexta-feira, 31-10-2008

Mapa de afectos. Idos anos noventa. Princípios, certamente. A minha descoberta da Cotovia coincide com uma espécie de existência pessoana que atravessava então os meus dias e que constitui hoje uma das mais gratificantes memórias que tenho de Lisboa.

Trabalhava na Rua do Loreto com os meus tios e primos numa pequena empresa de contabilidade e auditoria que já não existe. Os meus vinte e poucos anos eram uma demanda pelas ruas da cidade, entregando trabalhos concluídos, recebendo outros que teriam por destinatários os exímios mestres contabilistas, os meus tios Fernando e Gabriela, o meu primo João e o magnífico leitor de Proust que era o João Pedro Carreira. Uma existência pessoana ou walseriana, porque, de algum modo, o escritório da Rua do Loreto (que dava para o Bairro Alto numa iluminação tranquilizadora digna de Vermeer que fiz celebrar num dos meus poemas de A Imprecisa Melancolia) era uma espécie de Instituto Benjamenta, mas onde a crueldade tinha sido substituída integralmente pela ironia, uma arte cultivada com o rigor e a probidade com que se assentava numa linha de um livro de balanço. A rua, todas as ruas que na Rua do Loreto encontravam um centro irradiante, transportavam-me para formas de onirismo indisciplinado que nunca mais voltei a conhecer. Como se o meu Instituto Benjamenta (lugar de ofício, ironia, e extremo bom senso também) – o escritório do meu tio Fernando – tivesse um contraponto nessa encruzilhada de símbolos que habitavam a superfície do quotidiano. A minha vida era uma forma espacializada de «abandono vigiado», a usar um título de O’Neill que é, como se sabe, todo um programa. Um contraponto numa encruzilhada de símbolos e de lugares como, por exemplo, a belíssima Livros Cotovia na Rua Nova da Trindade, aí, numa das fronteiras invisíveis da cidade, aquela que coincide com as Escadinhas do Duque e que dá acesso ao Rossio – essa sempre eterna despedida da vida, como me recorda António Maria Lisboa – e à linha de fuga que é o Terminal ferroviário onde história, violência e margem vinham hibridizar o meu mapa de afectos.

Como flâneur e leitor descobri a Cotovia naqueles primeiros anos da década de noventa. E o que lia eu naquela altura? Poesia, sobretudo. E através da poesia descobri uma revista magnífica que a Cotovia fazia publicar. Refiro-me à entretanto desaparecida (uma das memoráveis desaparições da minha vida de leitor) As escadas não têm degraus. Descobri também um dos escritores da minha vida, Edmund Jabès. Não me esqueço nunca de A obscura palavra do deserto, uma poesia que me parece longe, bem longe daquilo que motiva uma parte significativa dos poetas contemporâneos mais canonizados entre nós, e talvez ainda bem porque Jabès será sempre coisa de poucos, enigma de muitos, e o ruído e a sobredeterminação das glórias literárias sempre me aborreceu infinitamente. Depois vieram outros, tantos, que o catálogo da editora discretamente descreve, revela.

A Cotovia é uma editora que permanece, pelo seu catálogo, pelo rigor com que trata os seus autores e os seus textos, fora daquilo que é o mundo editorial português, e não só. Dir-se-ia que, como o Jabès, permanece fora daquilo que convencionamos hoje por literatura ou por edição, e com isso ensina-nos como se pode sobreviver sem beneplácito nem usura. Um dos grandes méritos é nunca ter confundido livros com literatura. Outro dos méritos é ter enobrecido, pela sóbria singularidade do desenho do seus livros, a literatura, como provavelmente muito poucas editoras o fizeram. Como se não misturasse livros com literatura, mas soubesse perfeitamente onde está o lugar – an Italy of the mind, escreveria certeiramente Wallace Stevens – onde literatura e livros se encontram, se encontrarão sempre.

Tudo isto pode ser atribuído, com inteira justiça e justificação, a André Fernandes Jorge. Aí está alguém que dispensa elogios ou encómios, mas de quem é um privilégio poder reconhecer entre os nossos amigos mais admirados, por mim, por todos aqueles que o conhecem e que com ele têm colaborado. Porque a amizade é ainda um dos poucos círculos iluminados de lealdade que conheço. Parabéns Cotovia, parabéns André!

Luís Quintais (texto incluído em Não será por acaso, 20 anos, Lisboa, Livros Cotovia)

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«dançando sobre a arquitectura» *

Posted in Vária by Sandra Guerreiro Dias on Sábado, 11-10-2008

Simon Reynolds nasceu em Londres. É autor de diversos livros sobre música e colaborou com publicações como The New York Times, Village Voice, Spin, The Guardian, Rolling Stone, The Wire, Uncut, entre outras. O seu penúltimo livro, Rip it Up and Start Again, publicado em 2006 pela Faber and Faber, é um desconcertante e exaustivo ensaio sobre o Pós-Punk, e foi considerado aqui, por Rodrigo Nogueira, como um «um portentoso monumento à música, àquilo que a música pode fazer, partindo do pressuposto que a música pode mudar o mundo». Quando era criança, Simon queria ser escritor, primeiro de livros infantis, depois de ficção científica. Em 1985, então com 22 anos, fundou, com Paulo Oldfield e David Stubbs, a fanzine Monitor, uma espécie de ensaio e laboratório de ideias e exercícios teóricos sobre música, essencialmente, experiência a partir da qual percebeu que a paixão pela escrita só fazia sentido se definitivamente associada à paixão pela música. Em 1986, o Melody Maker, uma das maiores publicações da imprensa musical da altura, convida-o a fazer parte da sua redacção. Desde então, tornou-se uma referência incontornável da crítica musical especializada.

Para o autor de Blissblog, blogue de referência e um dos mais visitados no âmbito do jornalismo musical, escrever sobre música é como escrever poesia, linguagem que aliás traduz a única possibilidade de captar, preservar e reproduzir aquela que é para Reynolds a verdadeira natureza da música: a violência. Em entrevista ao Ready Steady Book, o escritor/jornalista vai mais longe e explica porque é que a abordagem meramente técnica e descritiva do objecto artístico é redutora, adiantando que esta perspectiva de análise, adoptada por grande parte da crítica musical que se faz hoje em dia mais não será do que uma mera tentativa de delineação a tender para o excessivamente programático de algo cuja essência é de certa forma abstracta. Por este motivo, o autor opta por uma estratégia que elabora a partir do seguinte pressuposto:

«Coisas como a excepcionalidade e a assinatura artística são extremamente difíceis de captar pela linguagem. Pessoalmente, prefiro uma escrita centrada na imaginação, na medida em que permite captar a música enquanto coisa (uma entidade, uma máquina, etc.), um espaço (uma arquitectura, uma paisagem) ou uma espécie de fenómeno natural (a metrologia e a astronomia são-me particularmente fascinantes). Este tipo de escrita não tem valor de verdade em si mesmo no sentido em que não constitui uma descrição exacta do fenómeno, mas, tal como a poesia, transmite uma sensação de verdade

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Read a book!

Posted in Vária by OLAMblogue on Quarta-feira, 01-10-2008

Uma proposta que não costuma aparecer nos programas eleitorais. E menos ainda em comícios. Uma ideia daqui.

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Por uma liga hanseática de livrarias decentes

Posted in Polémica, Vária by Rui Bebiano on Terça-feira, 19-08-2008

Um texto de Osvaldo Manuel Silvestre sobre a impossibilidade de encontrar um único título de Jorge Luis Borges nas livrarias de Coimbra, e depois dele o seu útil post-scriptum, suscitaram um comentário de João Diogo seguido de uma resposta do primeiro. Ficam os links para quem pretenda conhecer os seus argumentos – que se completam mais do que se contrariam -, pelo que me limito a abordar o problema principal que a ambos preocupou. Refiro-me à gestão dos stocks de livros na sua relação com um certo número de inquietantes alterações perceptíveis na fisionomia de boa parte das nossas livrarias e dos seus clientes. Um problema associado à crescente dificuldade que têm os grandes leitores, os verdadeiros e obstinados amantes dos livros, em encontrarem as obras que procuram ou que gostariam de poder descobrir quando deambulam pelo interior de livrarias que cada vez mais se banalizam. Confundindo-se, na disposição espacial e no modo de estar dos seus frequentadores, com os alegres e ruidosos corredores dos grandes centros comerciais e dos hipermercados. E nas quais esses leitores se não sentem bem.

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Memória pesada

Posted in Vária by Rui Bebiano on Sábado, 26-07-2008

Notável e perturbante o post de Luís Januário n’A Natureza do Mal. Onde acostam dois dos livros do croata exilado Predrag Marvejevitch, Sete Mil Dias na Sibéria (a obra singular e precursora de Karlo Steiner), também a distante Kolyma de Varlam Chalamov. Onde se fala ainda de Óscar Lopes, da realidade do socialismo real, do filo-, do tardo- e do pós-comunismo, de cumplicidades que atravessam tempos, lugares e regimes. E da memória pesada de tudo isto. A não perder.

Rui Bebiano

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Projecto para um glossário do século vinte (JG Ballard)

Posted in Autores, Comentários, Notas, Vária by Luís Quintais on Segunda-feira, 14-07-2008

#Zipper. Esta pequena mas astuciosa máquina terá encontrado um modo elegante de reprimir e redescobrir todos os encantos perdidos da carne.

LQ

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A cena do crime

Posted in Vária by Ana Bela Almeida on Terça-feira, 24-06-2008

Cena 1: Uma mulher é violada num parque de estacionamento. Há pessoas nos outros carros, que vêem a cena, mas ninguém faz nada. De facto, os carros desviam-se da cena do crime, como se nada fosse.

Cena 2: Um idoso é atropelado ao atravessar uma estrada. Há pessoas nos outros carros que vêem a cena, mas ninguém faz nada. De facto, os carros desviam-se da cena do crime, como se nada fosse.

Uma destas duas cenas encontra-se no romance Cocaine Nights (1996) de J. G. Ballard. A outra passou há umas semanas no telejornal e pode ver-se no YouTube. A cena ficcional insere-se numa narrativa que lhe dá sentido, numa sequência lógica, num espaço de conforto. A outra não.

Ana Bela Almeida

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E batatas

Posted in Vária by Sandra Guerreiro Dias on Domingo, 22-06-2008

«Tenho a certeza que se os artistas soubessem que ganhariam mais dinheiro a cavar batatas era isso que faziam.»

As palavras são de Guy Schraenen, o pai da contracultura que passou a vida a coleccionar arte e de um momento para o outro vendeu tudo ao Museu de Bremen, desapontado com a banalização de que tem vindo a ser objecto a arte e tudo o que com ela está relacionado. Supondo que os escritores também estejam incluídos na afirmação, não posso deixar de fazer minhas as suas palavras. É que face ao excesso que está farto de dar em fartura e à crise alimentar que veio para ficar, a verdade é que em tempo de migalhas – ou nem isso para 862 milhões de pessoas, segundo os últimos números do Banco Mundial – batatas sempre matavam a fome.

Sandra Guerreiro Dias

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Um jogo de futebol

Posted in Vária by Ana Bela Almeida on Domingo, 08-06-2008

Em tempos de Euro e do Polónia-Alemanha de hoje, fica aqui o testemunho de outra celebração “euro”, festejada com outra partida de futebol (Polónia-Itália), em Maio de 1945, tal como a relata Primo Levi em A Trégua. A Polónia venceu esta partida.

A vitória e a paz também foram festejadas de outro modo, que por pouco, indirectamente, não me custou caro. Em meados de Maio teve lugar um jogo de futebol entre a equipa de Katowice e uma representativa dos italianos. (…) A partida realizou-se num campo da periferia bastante longe de Bogucice, e os russos, para a ocasião, concederam saída livre a toda a gente do campo. Foi furiosamente disputada não só entre as duas equipas contendoras, mas também entre estas e o árbitro: porque árbitro, convidado de honra, titular do camarote das Autoridades, director da prova e juiz de linha ao mesmo tempo, era o capitão da NKVD, o inconcreto inspector da cozinha. Já perfeitamente curado da fractura, parecia seguir o jogo com interesse intenso, mas não de natureza desportiva: com um interesse de natureza misteriosa, talvez estético, talvez metafísico. O seu comportamento era irritante, aliás: extenuante, se julgado com o metro dos muitos competentes presentes no meio do público, por outro lado, hilariante, e digno de um cómico de grande escola.(…) Nestas condições a partida (que foi merecidamente ganha pelos polacos) arrastou-se por mais de duas horas, até quase às seis da tarde, e prolongar-se-ia provavelmente até à noite se dependesse só do capitão, que não se preocupava minimamente com o horário e se comportava em campo como se fosse ele o Senhor a seguir a Deus, e aquela sua mal entendida função de director de jogo parecia dar-lhe um divertimento louco e inesgotável. Contudo, pelo crepúsculo o céu obscureceu rapidamente, e quando caíram as primeiras gotas de chuva apitou-se o final.

Primo Levi, A Trégua, Lisboa: Editorial Teorema, 252 pp. [ISBN:972-695-575-0]

Ana Bela Almeida

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Obituário de Pedro Mexia em 2048

Posted in Autores, Vária by Osvaldo Manuel Silvestre on Segunda-feira, 02-06-2008

“Faleceu ontem Pedro Mexia. Foi poeta, crítico, pioneiro daquilo que há umas décadas se chamou blogosfera, romancista (com um único romance) e desempenhou uma série de cargos institucionais, de subdirector, e depois director, da Cinemateca Portuguesa, a Ministro da Cultura. Após uma publicação inicial algo intensa de volumes de poesia, passou a ser um poeta bissexto, editando cada vez menos. As suas duas últimas colectâneas, espaçadas por 12 anos, bem como a reunião, muito desbastada, da sua obra poética, suscitaram um consenso crítico que a certa altura parecia ter desaparecido. O seu único romance, já tardio, uma vasta suma intitulada Só e mal acompanhado, foi amplamente premiado mas debatido com rara virulência: houve quem referisse Blanchot e Beckett, houve quem dissesse ser o mesmo de sempre, numa espécie de vasto blogue feito de pequenos e grandes nadas. Publicou dois volumes de crítica literária, o último dos quais em 2010, com o título Fogo Lento. Depois dessa data, que coincide com a extinção do último suplemento literário na imprensa portuguesa, deixou a actividade. É consensual que revolucionou a Cinemateca no período em que a dirigiu, mas ao preço, acusam muitos, de a ter aberto em excesso ao mainstream e de ter manifestado um profundo descaso por cineastas radicais da linha de Pedro Costa, o que lhe valeu um famoso abaixo-assinado de protesto contra «A segunda morte de Bénard da Costa». Como Ministro da Cultura distinguiu-se por não ter mudado o nome a nenhum dos institutos sob sua alçada e por ter continuado as boas práticas do seu antecessor directo, Rui Tavares. Como ele, queixou-se de falta de verbas para a Cultura. No cômputo geral, a sua obra escrita, muita dela produzida para os média, deixa uma impressão de dispersão por demasiados mundos, manifestando, segundo alguns, a incapacidade de Mexia para escrever uma obra ensaística de grande fôlego. Quando confrontado com semelhante acusação, Mexia concordou sempre com a crítica, lembrando porém a máxima de Borges segundo a qual «Esforço inútil é conceber vastas obras. Mais vale partir do princípio de que elas existem e escrever-lhes breves comentários». Católico não muito praticante, foi a partir de certa altura membro do Conselho Consultivo da Universidade Católica. «Morreu dentro da fé», garantiu o Cardeal Patriarca Tolentino de Mendonça, que o acompanhou nos últimos momentos, momentos em que, segundo fontes bem informadas, não nos deixou sem citar um dos seus autores de cabeceira, Machado de Assis: «Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria».”

                                                                                                        Correio da Manhã, 2/06/48

Osvaldo Manuel Silvestre

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Manuel da Fonseca e a apologia do belo

Posted in Autores, Vária by Sandra Guerreiro Dias on Terça-feira, 06-05-2008

Em 1988, em entrevista a Francisco José Viegas, Manuel da Fonseca confessava-se um militante moderado do Neo-Realismo doutrinário: «Nunca fui um homem que pensasse no Neo-Realismo senão como eu pensava que ele devia ser realizado. (…) Há outro Neo-Realismo mais simples, como as formas mais altas de ver o mundo, de voar sobre ele, de poder sonhar com ele…». De facto, no que diz respeito ao amadurecimento e à definição daquilo que seria a disposição do seu projecto enquanto escritor e enquanto ser humano integrado numa sociedade às avessas, Manuel da Fonseca antecipa-se claramente à sua geração.

Emergente de uma atitude de grupo que cultivava «a obstinada recusa a ser feliz num mundo agressivamente infeliz», «a ânsia da dádiva total», ou ainda «o grande sonho de criar uma literatura nova, radicada na convicção de que, na luta imensa pela libertação do homem, ela teria um papel inestimável a desempenhar» o escritor irá desenvolver um percurso muito particular, num ritmo que será o do seu próprio empenho solidário, o da própria pulsação contemplativa, numa luta diligente e infatigável pela defesa dos mais desfavorecidos. Não se trata, no entanto, de uma mera empatia doutrinária pelo oprimido mas antes, conforme José Carlos Barcellos, de uma «fidelidade a uma ética e a uma estética fundamentalmente comprometidas com o humano».

Para tal, Manuel da Fonseca sustenta a sua produção no constante equilíbrio entre o conteúdo e a forma, revogando uma tendência do movimento cuja laboração estética radica, pelo menos teoricamente, na demanda arrebatada pelo triunfo da mensagem ideológica. De outra forma não podia ser, já que, para o autor, realidade, ideia e poesia não existem separadamente, são uma mesma realidade, a única realidade que a sua sensibilidade conhece.[continua aqui >>>]

Sandra Guerreiro Dias

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Nem todos os nossos poetas são os nossos poetas

Posted in Polémica, Vária by Rui Bebiano on Domingo, 30-03-2008

Cheguei ao caso através de um post de Francisco José Viegas. Nele se chama a atenção para uma opinião de José Eduardo Agualusa, expressa durante uma entrevista concedida ao jornal Angolense, segundo a qual Agostinho Neto, António Cardoso ou António Jacinto poderiam ser «eventualmente muito boas pessoas,(…) mas eram fracos poetas». Claro que, sobretudo por causa do primeiro, caíram o Carmo e a Trindade para os lados de Luanda, ao ponto de começarem de imediato a correr declarações tendentes, uma vez mais, a desqualificar Agualusa no plano intelectual, político e até pessoal, acusando-o, por exemplo, de ter ido «longe demais ao atacar grandes figuras emblemáticas da literatura nacional».

Sem ser crítico literário, conheço o suficiente da obra dos três autores angolanos para, neste caso, concordar genericamente e em consciência com Agualusa. O que não invalida que admita que, para muitas pessoas para as quais a grande poesia deva «conter mensagem», ou então «exprimir sentimentos» sob «belas palavras», eles mereçam todos os epítetos que lhes possam conferir a aura dos «grandes poetas». Posso dizer a mesma coisa da poesia de Miguel Torga, Eugénio de Andrade ou Manuel Alegre, que não considero grandes poetas embora deva respeitar quem ache que o são ou quem tenha gosto em lê-los. Como reconheço a honestidade e o esforço que todos eles foram, eventualmente, depositando no seu próprio labor poético. Aquilo que não é tolerável é que a obra de alguém – poeta, crítico, amola-tesouras ou qualquer outra coisa – esteja isenta de exame e origine formas de coacção sobre a opinião ou a iniciativa de quem a possa contestar. Pelo que se pode ver, na ainda débil democracia angolana, onde se mantém um regime «firme e determinado, mas não totalitário» (palavras de um editorial do sempre oficioso e oficiante Jornal de Angola), permanece com voz activa quem pense que deva estar. Concordo com FJV quando este lembra que «convém estar atento, para que não pensem que ninguém ouve».

Rui Bebiano

Publicado também em A Terceira Noite

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Dia do pai

Posted in Vária by Ana Bela Almeida on Quinta-feira, 20-03-2008

MourinhoOntem, “dia do pai”, passei a tarde à procura de um presente de última hora no centro comercial. Depois de me maçar com tantos cachimbos, gravatas e camisas às riscas, acabei por ir parar à Fnac. Como muitos dos filhos que por lá se acotovelavam, procurava um livro pertencente a uma categoria específica que é a dos “livros que não são para ler”. Aliás, a Fnac deveria ter um espaço específico para os “livros para ler” e outro para os “livros que não são para ler”, de preferência divididos por uma cortina negra e espessa, para separar bem as águas. Além de que a dita cortina aumentaria o efeito de tentação para ambas as partes e bem poderíamos começar a ver fervorosos amantes de Machado de Assis a espreitarem para o outro lado, viciados em livros com posições de ioga e pilates; assim como estóicos folheadores de livros de dietas a serem iniciados nos vários volumes de Proust.

Tinha pressa, mas não foi difícil encontrar o presente ideal porque as livrarias têm mesmo muitos “livros que não são para ler” e no top ten dos livros dedicados ao “dia do pai” havia pelo menos oito nesta categoria. Ainda olhei para um catálogo dos “melhores vinhos portugueses”, e para outro que mostrava “todas as aves de caça em território português”, mas acabei na secção de desporto, quero dizer, de futebol, quero dizer, na secção de biografias do Mourinho. Estive com duas na mão, mas uma delas, a de capa dura, tinha demasiado texto, quase que era “um livro para ler”, e por isso abandonei-a. Fiquei com a outra, uma compilação de citações a partir de entrevistas ao José Mourinho, com uma mancha gráfica de tamanho generoso e abundante espaço em branco, um livro sem início nem fim, a prenda ideal. Deixo alguns excertos:

“Prefiro o quatro, três, três.” (Daily Star, 2 de Abril de 2005)

A sua resposta quando, em Telavive, lhe perguntaram se politicamente era de esquerda ou de direita. (p.78)

“Sei perfeitamente em que filme estou. Sei quem são os produtores. Sei também qual é o final da história, mas, como um dos actores principais, tenho o direito de tentar mudar esse final.” (João Almeida Moreira, Record, 17 de Novembro de 2000)

Um filme que não ficou para a história nem sequer foi candidato aos Óscares. (p.83)

É pena que, às citações de Mourinho, muitas vezes brilhantes, se siga a desnecessária mediação do compilador. Seja como for, o livro foi recebido com sucesso. Segue-se, em breve, o “Dia da Mãe”.

John Amhurst (compilador), Mourinho: Eu sou Especial – O que ele diz de si e dos outros. Adaptação portuguesa de Rui Tovar. Cruz Quebrada: Casa das Letras, 2006, 219 pp. [ISBN 972-46-1664-9]

Ana Bela Almeida

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Modelo de uma regra só para a vida moderna (e pós-)

Posted in Autores, Comentários, Vária by Luís Quintais on Quinta-feira, 06-03-2008

Proposta de Iain Sinclair: quando em dúvida, citar sempre JG Ballard.

Luís Quintais

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Sessão de 3 de Março

Posted in Vária by OLAMblogue on Quarta-feira, 05-03-2008

Algumas imagens da sessão de 3 de Março de Os Livros Ardem Mal, com Ricardo Araújo Pereira como convidado. Aqui.

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Sessão de 11 de Fevereiro

Posted in Vária by OLAMblogue on Segunda-feira, 11-02-2008

Algumas imagens da sessão de 11 de Fevereiro de Os Livros Ardem Mal, com Manuel António Pina. Aqui.

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Ano dois

Posted in Vária by OLAMblogue on Quarta-feira, 06-02-2008

E agora tem sido assim. (um, dois cliques para ampliar uma, duas vezes)

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Desenho gráfico de Joana Monteiro

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Começou assim

Posted in Vária by OLAMblogue on Segunda-feira, 04-02-2008

(um clique para ampliar)

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Desenho gráfico de Joana Monteiro

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