Os Livros Ardem Mal

Abel Barros Baptista sobre Machado de Assis

Posted in Entrevista by OLAMblogue on Terça-feira, 18-11-2008

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Abel Barros Baptista é professor da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, onde ensina literatura brasileira. É um dos grandes especialistas de hoje sobre Machado de Assis, autor a que dedicou duas obras de referência, ambas editadas também no Brasil. Com a segunda dessas obras, Autobibliografias, conquistou o Grande Prémio de Ensaio da Associação Portuguesa de Escritores. Além desses dois livros, publicou vários ensaios sobre Machado, preparou e prefaciou edições dos contos e romances do autor. Coordenou a mais notável colecção de literatura brasileira editada em Portugal, o Curso Breve de Literatura Brasileira, nos Livros Cotovia.

Figura incontornável das comemorações do centenário da morte de Machado de Assis no Brasil, em Portugal e noutros lugares, Abel Barros Baptista trocou algumas impressões connosco sobre as comemorações. Agradecemos-lhe a disponibilidade revelada.

OLAM A sensação com que se fica, nesta comemoração do centenário de Machado, é que há uma certa estabilização dos grandes paradigmas ou regimes de leitura da obra e que, as novidades, se assim as podemos chamar, provieram de zonas entre o filológico e o histórico ou sociológico: quais eram os leitores reais de Machado ao seu tempo?, por exemplo. Concordas com esta descrição?

ABB Não sei se há novidades. Segundo o que pude acompanhar, o movimento de publicação tem poucas novidades, ou nenhumas. Biografias, estudos parcelares, colectâneas de ensaios, apesar de tudo em quantidade inferior ao que seria de esperar de um centenário desta importância. (Falo do Brasil, evidentemente.) Faria apenas duas observações. A primeira para realçar que os centenários podem ser momentos de viragem ou de revitalização, mas em qualquer caso não nos apercebemos disso senão après coup. O centenário do nascimento de Machado, em 1939, foi um momento de viragem importante nos estudos machadianos, ali surgiu um Machado mais profundo e crítico do que a imagem que dele davam académicos e modernistas. Mas a percepção dessa viragem levou tempo, exigiu a leitura de livros de Augusto Meyer ou Lúcia-Miguel Pereira. Não sabemos, por isso, se algum dos livros agora publicados não virá a ter eficácia parecida. Por outro lado, e é o segundo ponto, tudo indica que nada disso pode acontecer. De facto, a novidade deste centenário parece ser antes a visibilidade da exaustão do paradigma que tem dominado os estudos machadianos no Brasil. Leitores, estudantes, críticos dão evidentes sinais de cansaço diante das leituras historicistas e sociológicas. O Machado crítico subtil das elites dominantes, o Machado «historiador» da escravidão e do século XIX brasileiro, começa a cansar, parece esgotado, incapaz de suscitar novas abordagens. O sinal mais evidente disso deu-o o próprio líder desse paradigma, Roberto Schwarz. Num congresso internacional promovido pela Unesp, Schwarz, convidado a proferir a conferência de abertura, limitou-se a ler parte de um ensaio que publicou há dois anos! Curiosamente, o ensaio era dedicado a formular uma diferença entre a crítica nacional e a crítica internacional e a demonstrar que a crítica nacional leva vantagem, por poder apreciar a verdadeira originalidade de Machado de Assis. Além disso, no final, havia a indicação de que se tratava apenas de uma primeira parte de um estudo mais longo. Schwarz não só não continuou como repetiu, não só repetiu como eliminou da repetição o argumento a favor da superioridade brasileira, talvez por cortesia para com os convidados, na esmagadora maioria estrangeiros. 

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