Os Livros Ardem Mal

«dançando sobre a arquitectura» *

Posted in Vária by Sandra Guerreiro Dias on Sábado, 11-10-2008

Simon Reynolds nasceu em Londres. É autor de diversos livros sobre música e colaborou com publicações como The New York Times, Village Voice, Spin, The Guardian, Rolling Stone, The Wire, Uncut, entre outras. O seu penúltimo livro, Rip it Up and Start Again, publicado em 2006 pela Faber and Faber, é um desconcertante e exaustivo ensaio sobre o Pós-Punk, e foi considerado aqui, por Rodrigo Nogueira, como um «um portentoso monumento à música, àquilo que a música pode fazer, partindo do pressuposto que a música pode mudar o mundo». Quando era criança, Simon queria ser escritor, primeiro de livros infantis, depois de ficção científica. Em 1985, então com 22 anos, fundou, com Paulo Oldfield e David Stubbs, a fanzine Monitor, uma espécie de ensaio e laboratório de ideias e exercícios teóricos sobre música, essencialmente, experiência a partir da qual percebeu que a paixão pela escrita só fazia sentido se definitivamente associada à paixão pela música. Em 1986, o Melody Maker, uma das maiores publicações da imprensa musical da altura, convida-o a fazer parte da sua redacção. Desde então, tornou-se uma referência incontornável da crítica musical especializada.

Para o autor de Blissblog, blogue de referência e um dos mais visitados no âmbito do jornalismo musical, escrever sobre música é como escrever poesia, linguagem que aliás traduz a única possibilidade de captar, preservar e reproduzir aquela que é para Reynolds a verdadeira natureza da música: a violência. Em entrevista ao Ready Steady Book, o escritor/jornalista vai mais longe e explica porque é que a abordagem meramente técnica e descritiva do objecto artístico é redutora, adiantando que esta perspectiva de análise, adoptada por grande parte da crítica musical que se faz hoje em dia mais não será do que uma mera tentativa de delineação a tender para o excessivamente programático de algo cuja essência é de certa forma abstracta. Por este motivo, o autor opta por uma estratégia que elabora a partir do seguinte pressuposto:

«Coisas como a excepcionalidade e a assinatura artística são extremamente difíceis de captar pela linguagem. Pessoalmente, prefiro uma escrita centrada na imaginação, na medida em que permite captar a música enquanto coisa (uma entidade, uma máquina, etc.), um espaço (uma arquitectura, uma paisagem) ou uma espécie de fenómeno natural (a metrologia e a astronomia são-me particularmente fascinantes). Este tipo de escrita não tem valor de verdade em si mesmo no sentido em que não constitui uma descrição exacta do fenómeno, mas, tal como a poesia, transmite uma sensação de verdade

Para Simon Reynolds escrever sobre música será portanto um pouco como dançar sobre a arquitectura no sentido em que se trata de um exercício estético que procura elaborar um esboço de um fenómeno que, enquanto montagem, é essencialmente matemático. Para isso, o jornalista e escritor traça uma abordagem que se centra numa linguagem que é simultaneamente prosaica e poética, decifrada e indecifrável, e a que não é alheia a influência assumida de Deleuze e Guattari:

«Music obsession is a bottomless pit: the deeper you climb in, the more you lose perspective. The genre might be Sixties garage punk or Seventies Afro-pop, peak-era dub & roots or cassette only second-wave industrial, but the syndrome is the same: a mania for completism takes over. Like the prisoner in solitary confinement entranced by the differing grain of bricks in the cell wall, you start to perceive and cherish minute differences between iterations that seem utterly generic to the non-enthusiast’s ear.»
(in «Warner Jepson – Totentanz and Other Electronic Works 1958-1973», originalmente publicado aqui)

Simon Reynolds é um dos mais influentes críticos musicais das últimas duas décadas. Bebeu na escola de críticos de arte como Clement Greenberg e Susan Sotang e na teoria crítica de Barthes, Foucault, Kristeva e Bataille, apesar de defender hoje em dia que a crítica musical deve ser o produto de uma experiência pura, isenta de conceitos, teorias e ideologias. Em posfácio a Old Rare New: The Independent Record Shop, um livro sobre a importância das hoje quase extintas lojas de discos na construção da memória da história discográfica, recentemente publicado pela Black Dog, Simon defende ainda que o futuro da música é cada vez mais o regresso ao admirável mundo velho do analógico.

Além de Rip it Up and Start Again, Reynolds publicou ainda Blissed Out: The Raptures of Rock (pela Serpent’s Tail, em 1990), sobre música indie nos anos 80, The Sex Revolts: Gender, Rebellion & Rock’n’Roll (também pela Serpent’s Tail, em 1995) em co-autoria com Joy Press, sua mulher, e Energy Flash: A Journey Through Rave Music and Dance Culture (pela Picador, em 1998), também conhecido como Generation Ecstasy: Into the World of Techno and Rave Culture in America, sobre a história da música de dança nos anos 90. Em 2007 assinou Bring the noise, uma selecção de artigos, entrevistas e ensaios escritos entre 1985 e 2005, exercício de compilação que, no conjunto, constitui uma das mais notáveis e provocantes reflexões sobre a história dos últimos vinte anos da cultura pop. Actualmente é freelancer e publica regularmente nos seguintes sítios:

Blissblog – http://blissout.blogspot.com/
Bring the Noise – http://bringthenoisesimonreynolds.blogspot.com/
Rip it Up and Start Again – http://ripitupandstartagainbysimonreynolds.blogspot.com/
Energy Flash – http://energyflashbysimonreynolds.blogspot.com/

[outras ligações]
Página oficial de Simon Reynoldshttp://www.simonreynolds.net/
Arquivo de textos publicados por Simon Reynoldshttp://reynoldsretro.blogspot.com/

* Frase habitualmente atribuída a Elvis Costello, numa entrevista de Timothy White ao cantor para a extinta Musician Magazine, em 1983, mas cuja verdadeira autoria permanece controversa.

Sandra Guerreiro Dias

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