Um anjo à nossa mesa
Lisboa, anos 90. Comprava livros de Maria Gabriela Llansol. Era sagazmente impenetrável, e isso atraía-me. O meu entendimento da sua escrita seria afinal a confrontação com um limite: uma sala onde não se entra porque não se acha digno de nela entrar. A beleza, e a moderna inexorável desconfiança em relação à beleza, àqueles textos, àquele Texto, como ela certamente (certeiramente) preferiria.
Há seres que vivem encantados. Sonham, conversam com Bach, Hölderlin, Rilke, figuras de plasma, figuras de crença. E a crença, para bichos como eu, é sempre o limite. O desencantamento do mundo, e o magnífico brilho daquilo que nos escapa, sempre.
Que sortilégio nos escapou, que sortilégio necessário nos escapou, interrogamo-nos? É isso que encontro outra vez no que ela escreve em Contos do mal errante, por exemplo: «heréticos e ortodoxos declararam-nos hoje fora do género humano. Não tenho coragem para lhes perguntar a que espécie pertencemos.» (p. 136)
Ela permanece, permanecerá sempre, como uma sala onde não posso entrar. É assim que a prefiro recordar.
Luís Quintais
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