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Dicionário Crítico por Intermitência: Poetas (XII)

Posted in Dicionário, Poesia by Pamplinas on Terça-feira, 28-07-2009

Ekaterina Grossman (Kiev, 1982). Chegou a Portugal com 9 anos de idade, tendo conseguido uma fluência impressionante no português em meia dúzia de anos. Cursou Economia e Belas Artes e começou a fazer-se notar por performances cujo ponto central era a exibição e destruição de dinheiro (por ácido, fogo, triturador de papel, descarga pela sanita, deglutição ou degradação material por escarro, com participação do público). Reorientou-se depois para a poesia, embora sempre em modalidade performativa muito vizinha também de práticas típicas da instalação e recorrendo ainda, como material de referência, a dinheiro. A pouco e pouco, porém, em vez de se obstinar na sua destruição passou a usá-lo como suporte de escrita, actividade realizada ao vivo: a artista-poeta instala-se (à mesa, no chão, frente a uma cómoda ou móvel alto) e começa a escrever poemas, sempre de grande violência imagética e verbal, em notas, de preferência das de maior valor em circulação, com caneta grossa e por vezes fluorescente (nas intervenções em período nocturno). No início usou dinheiro em desuso – notas das moedas dos países da EU antes do Euro -, como forma de «dar a ver o dinheiro como material obsoleto e simbolicamente desinvestido», e recorreu com frequência a rublos e notas do período soviético, nas quais escrevia, dando-lhes forma de verso, testemunhos do Gulag. Mais tarde, passou a recorrer apenas a euros e dólares. Por vezes, a escrita é acompanhada de actividades na tradição da Body Art: (i) a artista-poeta despe-se enquanto escreve nas notas e cola depois as notas-poemas no corpo, re-vestindo-se assim com dois dos mais prementes e antinómicos símbolos de uma sociedade sofisticada: dinheiro e poesia; (ii) a artista escreve os poemas, despe-se e enfia as notas-poemas na vagina, reivindicando o seu direito a um confessionalismo poético sigiloso; (iii) a artista escreve os poemas-notas em público, neste caso de teor fortemente politizado e feminista, mete-os depois na boca, mastiga-os e, por fim, cospe-os para cima do público. Várias das suas performances foram realizadas em galerias conceituadas e em museus de arte contemporânea, da Gulbenkian a Serralves, estando muitos dos seus poemas-notas expostos nesses museus (a colecção Berardo adquiriu recentemente um significativo conjunto de «poemas cuspidos» pela autora). A sua obra vem conhecendo uma crescente repercussão internacional, tendo-lhe recentemente a revista October dedicado uma secção temática num dos seus últimos números. A artista-poeta foi também já convidada a participar na próxima Bienal de S. Paulo, constando que apresentará uma obra em co-autoria com o artista brasileiro Nuno Ramos.

«Entre o meu corpo e o capital, estabeleço o território da escrita poética. Ela desarticula a mais-valia e dá a ver o puro dinheiro, sem possibilidade de vir a ser capital: apenas papel, um material integral, violável e degradável. Disto tudo não resta porém nem o corpo nem a poesia: não proponho assomos de redenção. Nada resta, de facto, senão o rancor, o desprezo e o ódio ao capital. É a isso que me entrego, de corpo e escrita».

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