Os Livros Ardem Mal

Dicionário Crítico por Intermitência: Poetas (XI)

Posted in Dicionário, Poesia by Pamplinas on Quarta-feira, 15-07-2009

e.Lisabete (1985, Póvoa do Lanhoso). Começou a manifestar-se nas caixas de comentários a blogues, tanto políticos como de poesia, deixando nelas poemas em que de forma livre discorria, muitas vezes agressivamente, sobre os tópicos em causa. Quando o seu nome começou a ser objecto de posts passou a usar a mailing list para enviar poemas a destinatários muito diversificados, social, etária e profissionalmente, na técnica a que chamou «random bombing». Ao mesmo tempo, criou blogues, a um ritmo alucinante, praticando-os por breves períodos em sobreposição ou abandonando-os «à sua sorte» após breves períodos de exploração, muitas vezes anunciando aos visitantes que cessaria o blogue, apagando-o de seguida na íntegra, e indicando o dia e hora em que o faria, «por respeito por quem deseje guardar algum texto ou filme» (a autora ganhou o hábito de inserir nos blogues pequenos filmes «a negro» em que ou diz textos seus, ou comenta textos de sua autoria, de modo a «interditar interpretações abusivas dos meus textos por esses profissionais da desleitura que são os ‘críticos’ ou, em geral, os leitores possuídos pelo vírus da interpretação»). Alguns nomes de blogues da autora: e.ante, e.dentidade, e.conografia, e.deograma, e.Lisa, e.lógico, e.magináriae.mersa, e.mensa, e.memorial, e.mediata, e.migrante, e.moderação, e.modesta, e.moral, e.mortal, e.móvel, e.mudecida, e.mune, e.mural, e.rmã Lisa, e.tanto, e.terna. O crescimento exponencial do seu culto suscitou a certa altura, como seria inevitável, as primeiras manifestações de reservas e mesmo de cepticismo em relação à sua existência, defendendo alguns que se trataria de uma mistificação perpetrada por um «sindicato» de poetas (para outros, recuperando um arcaísmo, «poetastros») sem coragem de dar a cara. Estas reservas só a fizeram ocupar ainda mais espaço virtual, recorrendo para tal ao Twitter e ao Facebook, mas aparecendo agora sob uma panóplia de nomes (im)próprios – e.Liana, e.Sabel, e.Rina, etc. – que tornam rigorosamente impossível localizá-la. Poeta sem livros, apesar do crescente volume de propostas editoriais, que tem recusado taxativamente, a sua poesia é por definição camaleónica, quer por mudar de estilo, registo ou tom consoante os nomes e meios que usa, quer por praticar uma intensa reciclagem dos seus textos nos que vai de novo dando à luz, e que quase nunca são em rigor novos, resultando antes de um sistemático cut up operado sobre toda a sua produção anterior. Esta permanente recolecção e transformação do seu corpus coloca em causa a própria noção de corpus e de Obra, que instabiliza a ponto de tornar impossível qualquer discurso crítico (a não ser, muito pontualmente, o seu próprio discurso anti-crítico), assim desprovido de objecto minimamente estável. Poemas breves ou brevíssimos, poemas longos, epopeias (as «epopeias da calçada» que vem produzindo, numa intensa psico-geografia do espaço urbano), poemas dramáticos, epístolas poéticas, rock lyrics para a sua banda por-vir – a sua produção é talvez a mais impressionante da cena portuguesa actual e a que mais tem solicitado desenvolvimentos ou prolongamentos mais ou menos parasíticos por muitos outros autores. São de facto inúmeros os que se revelam como poetas ou escritores justamente ao reescreverem, transformarem, citarem ou simplesmente (?) transcreverem, por copy-paste, os seus poemas, apondo-lhes porém (por pedido expresso da autora) o seu (deles) nome, isto é, o de cada um desses «transformadores» da obra de e.Lisabete, que assim se torna objecto de uma geral, e muito comparticipada, operação de despossessão.

«Não, não. Nada de declarações. Procurem-me onde me escrevi. Algures. Aí mesmo».

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