Dicionário Crítico por Intermitência: Poetas (VI)
Maria Carlos Maria (Fátima, 1965). Estreou-se já algo tardiamente em 1995 com Do alto de uma azinheira, obra que veio relançar na poesia portuguesa a tradição interrompida da «poesia ao divino», explorando a temática das aparições de Fátima. Daí até hoje, os seus livros de versos seguintes – E o sol parou (1996), O terceiro segredo (1998), Conversas espirituais com Lúcia (1999), Fátima, terra de esperança (2000), Foi aqui! (2001), No teu sorriso, Senhora (2002), Sempre contigo (2003), O ar que aqui se respira (2004), O alvo halo (2005), Áurea aura (2006) -, bem como os seus «ensaios apologéticos» (subtítulo que os acompanha como uma descrição de género) A Verdade Revelada, de 2000, O Sopro da Verdade, de 2003, e A Verdade Nua, de 2005, são, todos eles, variações sobre Fátima e o seu mistério. A sua poesia manifesta uma clara preferência pela forma extensa, sendo raras as ocorrências do poema breve. A extensão parece ser exigida pelo teor meditativo e densamente ruminante de uma experiência da fé que é, de modo indissociável, uma experiência da «revelação», e da revelação em Fátima. Fátima surge pois como reivindicação do lugar que anularia todos os lugares, assim como a epifania suspenderia e, por fim, daria ordem de despejo à linguagem, ou a todas as versões mundanas, i.e., não-extáticas, da linguagem, tendendo naturalmente o êxtase da linguagem para a sua anulação pelo silêncio enquanto voz última de Deus. Poesia única pela sua alta exigência meditativa e metalinguística, ela consegue porém articular e narrativizar os episódios das aparições de Fátima com os voos de um espírito em que a pura especulação recua sempre ante as ressonâncias pávidas, e tão temerosas quanto deslumbradas, do encontro com um Pai que, pela mediação da Virgem, é feministicamente recodificado como Mãe-Pai. É estranho como uma poesia tão exigente consegue ser também popular, o que talvez se explique pelo facto de todos os leitores poderem encontrar nela algo que satisfaça a sua fome de beleza e fé. Os seus «ensaios apologéticos» dão a esta poesia o reforço, algo ambíguo, de um discurso ideológico que para muitos ela dispensaria, tanto mais que o discurso se revela alinhado pelas posições mais ortodoxas da Cúria romana. Razão que talvez explique o crescente recurso da Igreja Católica à poesia da autora, para múltiplos fins, sobretudo litúrgicos, tendo Bento XVI manifestado, por mais de uma vez, o seu grande apreço pessoal pela poeta, que já recebeu e que vem usando como uma evidência do carácter não linear ou unívoco do (nas suas palavras) «erradamente chamado processo de secularização».
«Aos espíritos martirizados e destituídos de carecimento, aos que esse inferno encerra dentro de si, a privação ensina a carência simples, chã, da fome e da sede; mas será colectivamente que ela nos indicará o pão capaz de nos alimentar e as límpidas e doces águas da fé. E em comum firmaremos também a aliança da sagrada necessidade; e o beijo fraterno que selará essa aliança será a poesia do futuro. Nela, o nosso grande benfeitor, o nosso redentor, o vigário da necessidade feita carne e sangue, o povo crente de Fátima, deixará de ser algo de particular, uma parte diferenciada; pois que na poesia da fé seremos todos um só, e por isso enfim felizes».
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