Medo (Eduard Escoffet)
medo do pai
medo da mãe
medo do cachimbo do pai
medo do tio
medo do casamento do tio
medo da prima que observa com as
mamas crescidas
medo de ser mãe
medo de ser a prima a quem o primo
enfia o bacamarte
medo de ser o primo que tem de enfiar
o bacamarte na prima
medo de ser pai fiel
medo de ser progenitor e amar
em extremo a dulcíssima criatura
medo de ser uma mãe serviçal
que dá de comer a um desconhecido:
que dá de comer a um terrorista,
que dá de comer ao seguidor de uma seita,
que dá de comer a um drogado,
que dá de comer ao passador de droga do bairro,
que dá de comer ao artista coroado de ácidos,
que dá de comer a um visionário
que dá de comer a um ladrão
que dá de comer a um polícia.
medo de ser mãe e não poder guardar
o revólver no coldre quando o filho chega
com a farda manchada
medo do pão
medo do vento
medo das azeitonas recheadas de anchovas
ou pior ainda: com recheio de camarão
medo dos que falam e medo
dos que calam
medo a odiar os skaters
medo a odiar o Ikea
medo a odiar os sindicalistas
medo a odiar a santa madre igreja católica
e todos e cada um dos seus paroquianos
medo a não escrever cartas ao pai
medo a ser Kafka
medo a ser heterossexual
medo a ser homossexual
medo a não ser bissexual
medo a não ser multicultural
medo a não ser democrata
medo a ser Stalin
medo de ter algo a perder
medo
medo a não ser tu
medo a não ser tu
medo a não ser tu
Trad.: Pedro Serra. Tít. orig.: “Por”.
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